Num sábado, dia de visitas no Instituto Penal Milton Dias Pereira, no centro do Rio, por volta das 15h, Lúcio Flávio Vilar e mais três presidiários atravessaram um pátio lotado de parentes de detentos. Escondiam sete revólveres que haviam sido introduzidos na prisão dias antes, disfarçados em garrafas térmicas. Armados com cartões de visita falsificados, eles conseguiram andar por áreas restritas aos prisioneiros, até chegarem à sala de controle, onde apenas um policial estava de plantão. Sob a ameaça de suas armas, foram forçados a abrir a grade que isolava a sala. Assim, conseguiram mais três revólveres.
Depois de invadir a sala de controle, onde encontraram outro grupo de presos, apenas precisavam atravessar mais um pátio e o portão da rua, aberto devido ao grande fluxo de visitantes. Veio então um tiroteio frenético entre os bandidos e dois policiais. Um prisioneiro foi morto e um policial ferido. Mas, em segundos, mais de 20 prisioneiros alcançaram a Rua Frei Caneca e se dispersaram pelas ruas do bairro do Estácio, arrancando as pessoas de seus carros em ameaças de morte e tomando rotas diferentes. Nesse momento, cumpriu-se a fuga em massa do Milton Dias.
Testemunhas apontaram a serenidade do líder do ato. Lúcio Flávio, um dos criminosos mais conhecidos do país na época, já havia participado de outras 33 fugas em diferentes estados, sendo 17 no Rio. Vindo de uma família de classe média de Belo Horizonte, iniciou sua vida criminosa roubando carros e passou então a assaltar bancos e joalherias. Era reconhecido por suas fugas e pela esperteza de seus planos, tendo um QI acima da média. Mas o que o levou para a história do crime foi a denúncia de policiais corruptos.
Líder de uma das primeiras quadrilhas criminais do Rio, Flávio ajudou a desmantelar o Esquadrão da Morte, nos anos 70. Formado por policiais da 'elite', o grupo extorquia bandidos e matava qualquer um que cruzasse seu caminho. Denunciados pelo criminoso como destinatários de propinas, eles foram expulsos das forças de segurança e criminalmente condenados. Flávio é autor de uma famosa declaração criminológica: 'Bandido é bandido, polícia é polícia. São como água e azeite. Não podem se misturar', disse ele em uma entrevista.
Essa história de vida fez dele o personagem principal do livro 'Lúcio Flávio: O Passageiro da Agonia', escrito por José Louzeiro, e do filme de mesmo nome lançado em 1977, no qual Reginaldo Faria atuou como o criminoso. Ambas as obras retratam como Lúcio Flávio se aproveitava da promiscuidade dos agentes penitenciários para escapar da prisão. A fuga que ocorreu há 50 anos na Frei Caneca não foi diferente, segundo ele. O criminoso só não poderia prever que aquela seria sua última fuga da prisão. Ele foi capturado e, um ano depois, foi morto por um colega de cela com 28 golpes no peito.
Após a fuga, os responsáveis pela prisão acusaram Jane, esposa de Flávio, de prover as armas. No entanto, numa carta enviada ao jornal O GLOBO e publicada em 31 de janeiro de 1974, o dia seguinte à sua recaptura, o criminoso afirmou que os revólveres foram enviados pelos agentes da prisão, por 'míseros níqueis'. Nessa carta, ele escreveu 'Ninguém pode negar o covil de ratos esfomeados e pestilentos que é o corpo de guardas das penitenciárias cariocas'. Além disso, alegou que decidiu fugir ao descobrir que o diretor da prisão estava envolvido com uma de suas irmãs.
Segundo Flávio, o diretor e outros gestores do Instituto Penal Milton Dias Ferreira abusavam de seus poderes para seduzir parentes de detentos nos dias de visita. Ele mesmo foi capturado numa pensão em Belo Horizonte, 11 dias após sua fuga de Milton Dias, e levado de volta ao Rio. Transferido para o Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande, em Angra dos Reis, passou 30 dias isolado e três meses proibido de receber visitas. Em março de 1974, Dona Zulma, sua mãe, tentou visitá-lo na prisão, mas voltou afirmando que o filho havia sido assassinado.
Um ano após ser recapturado, Lúcio Flávio foi brutalmente assassinado enquanto dormia na cela em 30 de janeiro de 1975. Ele foi transferido da Ilha Grande para o Instituto Penal Hélio Gomes, que também fazia parte do complexo penitenciário da Frei Caneca. Três dias após a transferência, dois prisioneiros foram colocados na mesma cela com ele. Dois dias depois, um dos novos colegas de cela assassinou Flávio com 28 golpes.
'Dizem que o coração é do lado esquerdo. Por isso na primeira punhalada eu tentei acertar o coração. Depois, não sei, devo ter cortado o pescoço dele. Crucifiquei os braços e esperei o último suspiro', disse Mário Pedro da Silva, conhecido como Marujo, que confessou o brutal assassinato sem sentir remorso. 'Para quem está com quase 300 anos de condenação, um processo a mais ou a menos não faz diferença', comentou o detento.
A família do denunciante policial fez uma série de acusações no funeral de Flávio. Para eles, estava claro que aquilo era um homicídio encomendado pelas autoridades que estavam incomodadas com as denúncias do criminoso. Flávio era, por exemplo, a única testemunha num processo contra o ex-policial Mariel Mariscot, líder do Esquadrão da Morte que foi preso por corrupção, tráfico e extorsão, sendo este o principal alvo das denúncias do criminoso.
Chamado de 'homem de ouro' da polícia do Rio, Mariscot acabou preso por um tempo, mas foi libertado e finalmente morto no centro do Rio em 1981. Envolvido com o jogo do bicho, Mariscot desejava se tornar chefe da contravenção, mas acabou metralhado ao chegar para uma reunião num prédio conhecido como a 'fortaleza' do bicheiro Raul Capitão. Mas esse é um outro capítulo na história da promiscuidade entre criminosos e policiais no Rio.
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