Em uma medida para aumentar a transparência e combater lavagem de dinheiro, o Banco Central (BC) anunciou novas regras para operações com ativos virtuais. Agora, empresas que operam com criptoativos precisarão de autorização formal da autoridade monetária, atendendo a requisitos específicos para poder prestar o serviço no país.
As normas marcam a entrada das empresas de cripto no mercado regulado do BC. As prestadoras terão de seguir regras de transparência com clientes, prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
A regulamentação entrará em vigor a partir de fevereiro de 2026, e as empresas terão nove meses para comprovar que cumprem as exigências.
As companhias do setor deverão enviar informações detalhadas sobre todas as operações feitas pelos clientes, como já ocorre com bancos. Operações suspeitas terão de ser informadas ao Coaf, tornando-as rastreáveis. Quem já presta o serviço poderá continuar operando até 2026, mas deve iniciar a adequação.
A regulação foi avaliada como positiva por especialistas e empresas, já que o país operava na chamada "ausência de leis". A expectativa é inibir fraudes e aumentar a transparência.
Por outro lado, a exigência de capital mínimo pode inibir inovações e concentrar o mercado, restringindo o segmento a grandes operadores. Por enquanto, operações internacionais com cripto seguem livres do IOF de 3,5% aplicado no câmbio, mas não se descarta cobrança futura. Estimativas mencionam movimentação anual de cerca de US$ 271 bilhões no Brasil.
— A regulação traz muito mais segurança jurídica para todo mundo que está operando, e quem ainda vai operar, nesse mercado. A exigência de capital mínimo e de governança aumenta os custos para o operador, atraindo apenas grandes players e restringindo a oferta ao consumidor — avalia Carlos Henrique Silva Jr., especialista em pagamentos instantâneos e criptoativos e CEO da Sttart Pay. — Os custos tendem a ser repassados ao usuário final na forma de tarifas mais altas. Mas, ainda assim, a avaliação das novas regras é muito positiva, já que quem entrar nesse mercado de fato vai querer fazer a coisa certa

Silva Jr. pondera que, no longo prazo, a estabilidade regulatória pode atrair investidores institucionais, compensando parcialmente a redução inicial de participantes.
Ele diz que a tendência é de queda significativa das fraudes, embora não seja possível eliminá-las. As regras atacam fraudes estruturais e operacionais, mas têm alcance limitado sobre golpes que exploram a baixa educação financeira, como esquemas de pirâmide.

Luiz Ramalho, CEO da Magie, afirma que o maior problema era a falta de clareza para o setor. Qualquer regulação, que não fosse absurda, já seria positiva para o mercado.
Ele acredita que a mudança pode evitar a entrada de empresas menores, mas ressalta que "o mais importante para o mercado como um todo era ter a clareza da regulação".
Ramalho observa que, para fintechs com acesso a fundos, as novas regras não limitam a inovação. Para ele, as transações com stablecoins tendem a ter a mesma tributação das operações de câmbio.
— Acho muito difícil que a mesma natureza de transações seja tratada de maneira diferente — avalia o executivo, lembrando que a grande vantagem dos criptoativos é a rapidez, enquanto operações de câmbio tendem a levar mais tempo.
Para Julia Castelo Branco, chefe de Legal da Hashdex, as novas regras adotam princípios inspirados no MiCA, da União Europeia, elogiado por dar segurança e previsibilidade ao setor.
— As regras brasileiras seguem esse caminho, com medidas essenciais como a segregação patrimonial, políticas robustas de prevenção à lavagem de dinheiro e controles internos mais rigorosos — elementos fundamentais para dar mais confiança e maturidade à indústria — diz ela, que considera a inclusão das stablecoins no mercado de câmbio um avanço significativo, mostrando a sintonia do Banco Central com a inovação financeira internacional.
O BC esclareceu que não criou nova cobrança de IOF. Ainda assim, a reorganização das transações com cripto dentro do regime cambial abre espaço para definições tributárias futuras pela Receita Federal, segundo Silva Jr.
— Essa incerteza pode gerar insegurança jurídica e dificultar o planejamento de longo prazo das empresas. Se os custos se tornarem proibitivos, parte do mercado pode migrar para as exchanges internacionais sem supervisão, o que reduziria a efetividade da regulação e aumentaria os riscos para os usuários.
Para implementar a regulação, o BC criou as Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (SPSVAs). Além do envio de informações ao BC, as empresas terão de informar riscos, políticas de segurança e taxas de forma clara, e avaliar o perfil de risco do cliente antes de permitir operações mais complexas.
O BC também criou regras específicas para operações internacionais com criptoativos. Investimentos feitos por brasileiros no exterior e operações de crédito internacional precisarão ser informados de forma destacada às autoridades.
Foi estabelecido limite de R$ 100 mil para transferências internacionais em ativos virtuais quando o destinatário for uma instituição não autorizada pelo BC.
As operações internacionais com criptomoedas passarão a integrar o mercado de câmbio, permitindo ao BC acesso aos dados dessas transações.
Com isso, as stablecoins passam a ser incluídas no sistema regulado. Esse tipo de moeda ganhou popularidade no Brasil após o aumento do IOF, já que transações com stablecoins não são tributadas por esse imposto.
A nova regulação do BC não muda a situação: operações com stablecoins seguem isentas de IOF. Segundo a autoridade de regulação, caberá à Receita decidir sobre eventual cobrança no futuro.
Em entrevista, o secretário especial da Receita, Robinson Barreirinhas, antecipou que a ideia é incluir as operações com criptomoedas no rol de transações tributadas.
— E se, por exemplo, for considerado operação de câmbio pelo órgão regulador, que é o BC, teria o reflexo tributário do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Mas, neste momento, nossa preocupação é ter o dado padronizado — disse.
A regulação também atualiza processos de autorização relativos a segmentos antes regulados pelo CMN, como corretoras de câmbio, corretoras de títulos e valores mobiliários e distribuidoras.
As empresas que quiserem operar com cripto no Brasil precisarão de capital mínimo entre R$ 10,8 milhões e valores superiores a R$ 37 milhões, conforme os riscos da atividade. As SPSVAs serão divididas em intermediárias, custodiantes e corretoras.
Intermediárias devem ter capital de R$ 10,8 milhões, por operarem transações com menor risco. Corretoras, que realizam operações mais complexas, terão de ter R$ 37,8 milhões.
Antes, o piso era muito menor: intermediárias precisavam de R$ 1 milhão; custodiantes, de R$ 2 milhões; e corretoras, de R$ 3 milhões.
Segundo o Relatório de Geografia das Criptomoedas 2025, da Chainalysis, o Brasil movimentou US$ 318,8 bilhões em cripto em um ano (julho de 2024 a junho de 2025), alta de 110% frente ao período anterior.
O país é hoje o que mais transaciona criptomoedas na América Latina e ocupa a quinta posição no ranking global.
Outras estimativas de mercado apontam movimentação anual de cerca de US$ 271 bilhões, mostrando a dimensão do setor sob diferentes metodologias.
Para a Zetta, associação de fintechs, as regras representam um amadurecimento da supervisão, equilibrando mitigação de riscos com o desenvolvimento de novas soluções e modelos de negócio.

