Os desastres de Fundão (Mariana) e Córrego do Feijão (Brumadinho) deixaram centenas de mortos, prejuízos bilionários e marcaram o país. O trauma elevou a atenção de governo, empresas e sociedade e há consenso de que a segurança das barragens de rejeitos avançou. Ainda assim, o sistema está longe do ideal e o risco de um acidente de grandes proporções não pode ser descartado.

"O setor minerador passou por diversas mudanças regulatórias, técnicas e de postura, no Brasil e no mundo", diz Leonardo Becker, professor titular da Escola Politécnica da UFRJ. "De uma forma geral, pode-se afirmar que as análises de estabilidade hoje são mais rigorosas", afirma. Para Joaquim Pimenta de Ávila, do Comitê Brasileiro de Barragens, "Atualmente, há um arcabouço muito sólido e detalhado para a inspeção das barragens e, com isso, eu acredito que muitos acidentes deixaram de acontecer".
Um marco regulatório citado por especialistas foi a Lei nº 14.066, de 2020, que proibiu a construção ou ampliação de barragens com alteamento a montante — técnica em que a elevação dos diques ocorre sobre os próprios rejeitos, como nos casos de Mariana e Brumadinho. A norma também determinou a descaracterização dessas estruturas.
"Essa técnica nunca deveria ter sido usada", afirma Carlos Barreira Martinez, professor da Universidade Federal de Itajubá. De 2019 para cá, o total de barragens a montante cadastradas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) caiu de 74 para 46, todas em processo de descaracterização. A lei também tornou obrigatório o monitoramento automático da estabilidade.
Outra mudança foi a criação, em 2022, da função de engenheiro de registro pela Resolução nº 95 da ANM. Esse profissional acompanha continuamente a estrutura, com independência em relação à empresa. "O engenheiro de registro tem uma responsabilidade enorme sobre a segurança e basicamente não tem limite do ponto de vista de fiscalização", explica Martinez.
O ganho regulatório aparece nos relatórios mais recentes da ANM sobre as declarações de condições de estabilidade (DCE). Das 457 barragens obrigadas a enviar o documento, 35 foram embargadas — 22 por não apresentarem a DCE e 13 por não atenderem aos critérios de segurança. O número é menor que o da avaliação de março, quando haviam 40 embargos.
Entre as 35 estruturas reprovadas, 7 estão no nível de emergência 2 e 1 no nível 3, o mais alto, com risco iminente de ruptura. Houve redução das barragens no patamar 3 em relação a março (2) e julho de 2024 (3). No último ano, duas estruturas da Vale — Forquilha III (Ouro Preto) e Sul Superior (Barão de Cocais, MG) — progrediram para o nível 2.
A Vale afirma que a barragem Sul Superior está em obras de descaracterização e que a Forquilha III se encontra em fase preparatória para as obras. Segundo a empresa, ambas estão inativas, não recebem rejeitos e são monitoradas de forma ininterrupta.
Atualmente, apenas a barragem de Serra Azul, da ArcelorMittal, em Itatiaiuçu (MG), permanece no nível 3. "O nível 2 exige atenção e intervenção", diz Martinez. "Colocar uma barragem em nível 3 é extremamente sério e o recado à sociedade é claro: a estrutura está em perigo".
A ArcelorMittal informa que iniciou em agosto o processo de descaracterização da barragem, com retirada de todo o material interno e instalação de contenção adicional projetada para reter os rejeitos em caso de rompimento. A conclusão está prevista para o segundo semestre de 2032. A empresa acrescenta que "a barragem conta com instrumentos de leitura automatizada, e os indicadores são monitorados 24 horas por dia, sete dias por semana."
No lançamento do relatório de setembro sobre as DCE, o diretor-geral da ANM, Mauro Henrique Moreira Sousa, afirmou que o país avança com responsabilidade na gestão de riscos. "Sete anos sem rompimentos é um dado que traduz o esforço coletivo de fiscalização, transparência e compromisso técnico da agência e dos empreendedores", disse.
Para Martinez, o fato de ainda haver 35 estruturas sem declaração de estabilidade mostra que o avanço não é suficiente. "Passados dez anos do primeiro grande acidente, você ainda tem eventos ou situações de risco. Não estou falando de dez dias, e sim de dez anos", afirma. Na avaliação dele, as análises da ANM dependem muito das informações das empresas e faltam fiscais para o trabalho de campo.
Estudo do projeto Regulação em Números, da FGV Direito Rio, aponta que a ANM perdeu cerca de um terço do quadro e opera com apenas 65% das vagas autorizadas em lei preenchidas.

