O governo federal aposta na agregação de valor aos minerais críticos e estratégicos para inserir o Brasil nos vetores da economia do século XXI. A demanda global por fornecedores alternativos à China abre uma janela rara, mas a falta de dados e indefinições de política pública ainda levantam dúvidas sobre a velocidade dessa virada.

Os números animam. Com cerca de 10% das reservas mundiais, o Brasil pode somar R$ 243 bilhões ao PIB até 2050 se refinar esses insumos. Ao mesmo tempo, a Agência Internacional de Energia projeta que a demanda por minerais ligados à transição energética deve dobrar até 2030 e quadruplicar até 2050, em relação a 2022.
Para organizar a agenda, foi criado em outubro o Conselho Nacional de Política Mineral, e o projeto de lei da Política Nacional de Minérios Críticos e Estratégicos, de 2024, segue em tramitação no Congresso. Mesmo assim, a corrida começa com mais de 30 anos de atraso em relação ao plano que consolidou a dominância chinesa no refino e na indústria da transição energética.
Há frentes em execução, como o mapeamento do potencial de investimentos pela Casa Civil e a aceleração da identificação de reservas pelo Serviço Geológico do Brasil. No desenho, a orientação é capturar valor no país. Como resume Uallace Moreira, secretário de Desenvolvimento Industrial e Inovação: "Temos de explorar esses minerais sem perder a perspectiva de agregação de valor. Além de jazidas, o Brasil oferece energia limpa para a evolução de sua mineração e indústria, o que nem a China nem outros supridores têm."
A primeira frente mira o refino local, para romper a tradição de exportar matéria-prima em bruto e aproveitar a busca global por menor dependência da China. O Ministério de Minas e Energia reconhece o desafio, mas destaca as vantagens brasileiras: potencial geológico, base industrial diversificada e energia limpa.
O maior gargalo está nas terras raras, base para ligas, ímãs permanentes e catalisadores, peças-chave da energia limpa e da eletrônica. O país tem a segunda maior reserva mundial, atrás da China, mas ainda exporta em bruto a produção de sua única mina em operação. Isso só muda com o domínio da tecnologia de separação dos elementos, diferencial que sustenta a liderança de Pequim.
A pesquisa avança há mais de uma década em institutos e no Laboratório de Terras Raras da Fiemg, operado pelo Senai. Segundo o coordenador André Pimenta, a entrega do protótipo da tecnologia brasileira está prevista para junho de 2028. "Para produzir ímãs e ligas em escala, não adiantará a boa vontade. Será preciso investimento de bilhões de dólares em cada planta, políticas públicas e, principalmente, superar o desafio tecnológico."
Mesmo sem todas as definições, o apetite privado se move. Estimam-se US$ 18,45 bilhões em investimentos na exploração de lítio, nióbio, níquel, grafite, terras raras e outros minérios até 2029. Cada projeto para agregar valor, porém, exige de cinco a dez anos de maturação e cifras bilionárias.
A segunda frente busca produzir no país bens finais da transição energética e da tecnologia de ponta, com suprimento local de minerais refinados. Há espaço para turbinas solares e eólicas, baterias para carros elétricos e estocagem de energia, hoje dominados pelos chineses, e até para semicondutores mais avançados.
Para a indústria, previsibilidade é condição. O presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, considera a agenda "plausível e desejável", desde que venha com marco regulatório estável, licenciamento ambiental ágil e um pacote de competitividade. "Se combinarmos a oferta doméstica com a qualificação do trabalho e a pesquisa aplicada, a indústria mineira poderá capturar novos elos de alto valor", afirma.
O cenário fiscal, porém, limita subsídios robustos. Será preciso conectar novas jazidas a portos e centros de demanda e qualificar mão de obra, sob a incerteza de preços dos minérios processados. Para André Rebelo, da Fiesp, "É possível que nem mesmo um regime especial venha a impulsionar o adensamento da cadeia mineral".
Ele pondera que o empobrecimento industrial nas últimas décadas e os custos tributários, trabalhistas e de capital ampliam o desafio. "Seria aconselhável, primeiro, avançar na exploração de minerais críticos e estratégicos e encontrar soluções para adensar essa cadeia antes de planejar uma maior sofisticação da produção industrial."

