Na madrugada de sexta-feira, o mototaxista Andrew Andrade do Amor Divino, de 29 anos, morreu com um tiro na nuca após passar de carro por uma barreira da Polícia Militar na Pavuna, Zona Norte do Rio. O caso é investigado pela Delegacia de Homicídios da Capital, mas não haverá imagens do que ocorreu porque as câmeras corporais que deveriam estar acopladas às fardas dos dois policiais do 41º BPM ficaram dentro da viatura, em desacordo com a determinação do Supremo Tribunal Federal desde dezembro de 2022, no âmbito da ADPF das Favelas.
A PM informou que a corregedoria apura por que os agentes não usavam as câmeras no momento da abordagem. Os dois policiais foram afastados das atividades operacionais.
Segundo a corporação, os agentes patrulhavam próximo ao Complexo do Chapadão quando homens em três motocicletas teriam passado e atirado contra eles. Pouco depois, Andrew teria ignorado a ordem de parada no bloqueio, levando um dos policiais a efetuar o disparo. O mototaxista foi levado ao Hospital Getúlio Vargas, mas não resistiu.
Familiares contestam a versão. Dayene Nicácio Carvalho, de 25 anos, mãe de dois filhos do mototaxista, disse que o marido voltava de uma comemoração, no carro de um vizinho, com o som alto e os vidros fechados e que, por isso, não teria ouvido o comando dos policiais. Sem as imagens, a elucidação do que ocorreu fica comprometida.
— Às 23h59 perguntei se ele já estava vindo, e ele respondeu que já estava chegando. Meia hora depois, aconteceu tudo. Toda vez que via uma viatura, ele parava. Era habilitado, o carro estava em dia. Não tinha por que fugir — disse Dayene.
A viúva contou ter dito ao filho mais velho que o pai morrera num acidente e que, por isso, virou uma "estrelinha no céu". O menino, porém, soube pelo noticiário e teve uma crise de choro.
— O meu filho mais velho era muito agarrado com o pai. Quando soube da morte, começou a chorar e a gritar pelo pai, dizendo que o coração estava doendo — relatou Dayene, que tem um bebê de 1 mês e vivia com Andrew havia oito anos.
O uso de câmeras corporais por policiais enfrenta resistência desde o início. O governo do estado chegou a alegar risco para agentes e moradores e prejuízos a ações de inteligência. Em junho de 2023, o STF ratificou a medida e o governo do Rio cumpriu a determinação. Em megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha no último dia 28, parte dos equipamentos não teria funcionado por falta de bateria, segundo o secretário da PM, Marcelo de Menezes.
Para Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF, além do erro pela falta de uso das câmeras, houve equívoco no disparo contra o carro: — As câmeras corporais servem para a proteção de cidadãos e policiais com relação ao respeito aos protocolos operacionais. Nesse caso específico, não é legítimo o uso de arma de fogo, mesmo com a fuga. Os agentes encarregados da aplicação da lei só podem fazer disparos no caso de risco iminente de morte para eles ou para outras pessoas em volta — explica Hirata.

O especialista em segurança José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM de São Paulo, defende punição severa em caso de desobediência: — Essa questão tem resistência geral no país. O uso das câmeras deve ser terminantemente obrigatório, e a sanção para o descumprimento dessas normas deve ser das mais graves possíveis. Inclusive demissão. Lembrando que o uso da câmera ajuda na defesa da ação correta do policial, com as imagens sustentando os argumentos.
Em nota, a PM afirma contar com "mais de 13 mil Câmeras Operacionais Portáteis (COP) distribuídas em todas as unidades da corporação" e que o mau uso do equipamento é "classificado como transgressão disciplinar grave, sendo o policial militar punido com sanções administrativas".
Em decisões recentes, o ministro Alexandre de Moraes determinou que o governo do Rio preserve imagens das câmeras e apresente laudos de autópsia em megaoperações, além de suspender um inquérito que apurava remoção de corpos após ação policial.

