A BBC tem feito, em média, duas correções por semana em reportagens sobre o conflito na Faixa de Gaza desde os ataques de 7 de outubro de 2023, segundo levantamento que aponta 215 ajustes no período recente.

No total, o serviço em árabe da emissora, a BBC Arabic, realizou 215 correções e esclarecimentos em 2 anos em conteúdos classificados como tendenciosos ou imprecisos.
As informações vieram à tona após um dossiê de 8.000 palavras, elaborado por um denunciante interno, acusar a BBC Arabic de retratar Israel como agressor ao cobrir o conflito, ampliando a pressão sobre a emissora.
Outra frente de desgaste envolve um programa exibido em outubro de 2024, uma semana antes das eleições nos EUA, que teria cortado uma parte do discurso de Donald Trump anterior à invasão do Capitólio, em Washington D.C., na qual ele pedia protestos "pacíficos e patrióticos". A produção também teria juntado falas dadas em momentos diferentes como se fossem uma sequência única.
Na noite de domingo (9.nov.2025), o diretor-geral da BBC, Tim Davie, e a chefe de reportagem, Deborah Turness, anunciaram a renúncia de seus cargos.
Entre as correções feitas pela BBC Arabic estão reportagens que descreveram a brigada Al-Qassam, braço militar do Hamas, como "responsável por guardar" reféns, sem mencionar a condição de sequestro. Em uma dessas peças, duas mulheres israelenses apareciam agradecendo pelos "bons cuidados" recebidos enquanto estavam sob custódia. Depois de reclamações, a BBC alterou o texto e incluiu menções a abusos praticados pelo grupo. Mesmo assim, o comitê interno da emissora, o ECU (Executive Complaints Unit), entendeu que não era necessário citar casos específicos de assassinatos de reféns, como o de Ofir Tzarfati.
Outra série contestada tratava da ideologia do Hamas sem mencionar o estatuto do grupo, que defende a destruição de Israel. A BBC manteve o conteúdo, afirmando que o objetivo da série não era discutir a fundação do movimento. O ECU confirmou a decisão.
Além disso, mais de 40 correções foram feitas depois de matérias que classificaram comunidades dentro do território reconhecido de Israel como "assentamentos" e seus residentes como "colonos".
Críticos ouvidos apontam que o problema não se limita às reportagens, mas atinge o sistema interno de avaliação. Baroness Deech, ex-integrante do conselho da BBC, disse que o ECU "fecha os olhos" para desvios editoriais.
Michael Prescott, ex-assessor independente do comitê responsável pelas diretrizes editoriais, relatou ao conselho a presença de jornalistas que fizeram declarações abertamente antissemitas e que continuaram recebendo espaço na BBC Arabic.
Segundo relatos, um deles chamou um autor de ataque a civis israelenses de "herói" e interagiu, nas redes sociais, com mensagens pedindo "gargantas cortadas". Outro convidado recorrente descreveu judeus como "demônios" e israelenses como "menos que humanos". Ambos seguiram aparecendo no canal, segundo uma revisão interna citada.
O ex-diretor da BBC Television, Danny Cohen, afirmou que a direção ignora os alertas sobre a BBC Arabic. Para ele, o volume de correções deveria ter sido suficiente para uma intervenção da chefia, mas não houve mudança.
O grupo Camera (Committee for Accuracy in Middle East Reporting and Analysis) afirmou que o caso expõe falhas estruturais nos mecanismos internos. Kurt Schwartz, diretor da entidade no Reino Unido, disse que o dossiê "confirma de maneira contundente" que a BBC Arabic tem divulgado relatos distorcidos sobre o conflito. Segundo ele, quando a BBC corrige reportagens, mas o seu órgão interno de fiscalização "insiste em defender a cobertura", fica evidente que "o sistema de controle editorial não está funcionando".
Em outro episódio, divulgado em outubro, o regulador Ofcom disse que a BBC cometeu uma "grave violação" das regras de radiodifusão ao não informar que o narrador do documentário "How to Survive a Warzone" (em português, "Como Sobreviver a uma Zona de Guerra") é filho de um oficial do Hamas. O filme aborda a guerra entre Israel e o grupo terrorista em Gaza, na Palestina.
Em resposta, a BBC afirmou que o serviço em árabe publicou mais de 11.000 reportagens desde 7 de outubro de 2023 e que o Camera enviou 159 reclamações nesse período. Disse ainda buscar "os mais altos padrões de jornalismo" e corrigir conteúdos quando necessário, além de que o ECU atua de forma independente.

