A possibilidade de Jair Bolsonaro ser enviado ao complexo penitenciário da Papuda para cumprir o início da pena de 27 anos e três meses por golpe de Estado abriu uma guerra de ofícios e versões envolvendo o gabinete do ministro Alexandre de Moraes, o governo Ibaneis Rocha (MDB), a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e o deputado distrital Fábio Felix (PSOL).

A disputa começou após a visita da chefe de gabinete de Moraes às instalações da Papuda, no mês passado, revelada pelo site Metrópoles, e ganhou novos capítulos em paralelo ao julgamento virtual dos embargos de declaração de Bolsonaro na Primeira Turma do STF.

Ao saber da inspeção, aliados do ex-presidente se mobilizaram para tentar evitar o que dão como certo: que ele deverá passar uma "temporada" de pelo menos uma semana na Papuda antes de conseguir prisão domiciliar por motivo de saúde. No bolsonarismo, isso é visto como "humilhação pública" imposta por Alexandre de Moraes.

A reação não ficou só nos bastidores. Houve movimentos institucionais do governo do Distrito Federal, de senadores bolsonaristas e da esquerda brasiliense, numa sequência de iniciativas que tenta interferir no destino do ex-presidente e sustentar narrativas opostas sobre o caso.

Do lado de Bolsonaro, Damares pediu à Secretaria de Administração Penitenciária do DF autorização para visitar a penitenciária e conferir se a unidade está apta a recebê-lo.

Do lado lulista, Fábio Felix acusa o governo Ibaneis de oferecer tratamento privilegiado a Bolsonaro, sem se preocupar com a saúde dos detentos do sistema prisional.

Antes mesmo do julgamento dos embargos, autoridades do Palácio do Buriti procuraram integrantes do STF reservadamente para expor receios com um eventual encarceramento de Bolsonaro na Papuda.

O incômodo do governador Ibaneis, que pretende disputar o Senado em 2026 com apoio do clã Bolsonaro, ficou explícito em ofício enviado na segunda-feira (3) pelo secretário de Administração Penitenciária, Wenderson Souza e Teles.

No documento, Wenderson pediu a Moraes que Bolsonaro fosse "submetido à avaliação médica por equipe especializada, a fim de que seja realizada avaliação de seu quadro clínico e a sua compatibilidade com a assistência médica e nutricional disponibilizados nos estabelecimentos prisionais" da capital.

"Se Bolsonaro passar mal e morrer lá na Papuda, o governo Ibaneis vai ficar péssimo na foto", diz um interlocutor próximo de Bolsonaro. "Ele também gera enorme instabilidade no sistema prisional. Toda a segurança deve ser reforçada para evitar rebelião, que seria provável. E isso é chato para um candidato que quer o eleitorado de direita".

Moraes, porém, negou o pedido em despacho de quatro linhas, por considerá-lo inoportuno.

Após a recusa, a senadora Damares Alves pediu ao governo do DF autorização para visitar as instalações do complexo da Papuda.

Até hoje, Moraes não autorizou a visita de um grupo de 12 parlamentares aos presos do 8 de Janeiro que cumprem pena na Papuda. Para driblar a exigência, Damares endereçou o ofício ao secretário Wenderson, alegando tratar-se de vistoria de instalações, e não de visita a réus do STF, o que afastaria a necessidade de aval do ministro.

No documento, Damares destaca que Bolsonaro "apresenta quadro clínico complexo, decorrente das sequelas do atentado sofrido em 2018", incluindo múltiplas cirurgias abdominais e episódios de obstrução intestinal e quadros recorrentes de refluxo, gastrite e crises persistentes de soluço e vômito.

A senadora também afirma que relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, do ano passado, identificou superlotação superior a 230%, perda de peso acentuada entre internos, restrições de acesso à saúde e dificuldade de atendimento jurídico na Papuda.

Em outra frente, Felix acionou a Secretaria de Administração Penitenciária, alegando que a mesma preocupação com o quadro de saúde de Bolsonaro deve ser estendida aos mais de 27 mil presos do sistema penitenciário do DF.

O deputado pediu que todos os presos sejam submetidos a avaliação médica, com emissão de laudos para verificar o quadro clínico e a "compatibilidade entre as condições de saúde e a assistência médica e nutricional" dos estabelecimentos prisionais.

"A falta de atendimento em saúde de milhares de internos do Distrito Federal é um problema gravíssimo, mas essa seletividade do governador entra em choque com princípios que regem o Estado democrático de direito, como o da impessoalidade e o tratamento isonômico de todos aqueles que estão no sistema prisional", disse o deputado, que preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF.

"O próprio governo Ibaneis tenta beneficiar Bolsonaro para que ele não seja transferido para a Papuda. Não me parece que seja uma preocupação com o atendimento de saúde dentro das penitenciárias do DF."

Procurada, a Secretaria de Administração Penitenciária informou que "está adotando as tratativas necessárias para realização da visita" de Damares.

Sobre o pedido de Felix, a pasta comunicou que "está analisando o documento e a viabilidade das solicitações".