Ocean Vuong enfrenta a crise dos opioides e incomoda a crítica
Notícias
📅 10/11/2025

Ocean Vuong enfrenta a crise dos opioides e incomoda a crítica

Refugiado vietnamita e celebrado pela Time, o autor lança "O imperador da felicidade", aborda vício em opioides, classe e cuidado, e diz que seu sucesso provoca "desconforto".

Carregando anúncio...
Compartilhar:
Ronny Teles

Ronny Teles

Combatente pela democracia

Ocean Vuong, escritor vietnamita e refugiado, volta ao centro do debate com o romance "O imperador da felicidade", em que encara a epidemia de opioides nos EUA e admite que seu sucesso provoca "desconforto" na crítica. Em setembro, aos 37 anos, entrou na lista da Time das cem estrelas em ascensão e foi descrito como "um dos poucos escritores que transcenderam o mundo puramente literário e entraram no reino da celebridade".

Nascido no Vietnã, neto de um soldado americano, Vuong viveu os primeiros anos em um campo de refugiados nas Filipinas antes de imigrar para os Estados Unidos. Foi criado pela avó e pela mãe, manicure que nunca aprendeu inglês.

Na faculdade, em Nova York, ele morou com a avó de seu namorado, Grazina, imigrante lituana com demência. A experiência virou ficção: em "O imperador da felicidade", Grazina impede Hai, jovem viciado em opioides que sonha ser escritor, de se jogar de uma ponte e o acolhe. Ele consegue emprego em um fast-food e se torna cuidador dela.

Vuong ganhou projeção com o livro de poesia "Céu noturno crivado de balas" e, no romance de estreia "Sobre a Terra somos belos por um instante", escreveu uma carta do narrador à mãe analfabeta sobre origem familiar, a crise dos opioides nos EUA e a descoberta da sexualidade. Um crítico já disse que ele ecoa Emily Dickinson ao "dizer toda a verdade, mas obliquamente".

Com a fama, aumentaram as leituras hostis: resenhistas implicam com frases longas e metáforas ousadas e sugerem que sua ascensão se deve à moda de ficções de imigrantes e autores LGBTQA+. Ele relaciona esse incômodo à perda de prestígio das "pautas identitárias".

Para Vuong, a literatura abre espaço para o que amamos e para o que parece impossível amar, mas não garante superioridade moral. Ele lembra o caso de Thomas Thistlewood, senhor de escravos na Jamaica com vasta biblioteca iluminista, para argumentar que leitura não inocenta ninguém, embora a literatura levante questões morais valiosas.

Ao tratar de trabalhadores pobres no novo livro, o autor afirma ter se tornado escritor graças a políticas sociais que recebeu na infância e juventude, como almoço grátis na escola, assistência em saúde e faculdade gratuita, hoje raras nos EUA. Ele cita a influência de "Elogiemos os homens ilustres", de James Agee, com fotos de Walker Evans, pela honestidade ao encarar a culpa e o voyeurismo diante da pobreza.

Vuong aproxima sua ficção de autores que colocam as questões de classe no centro, como Annie Ernaux e Édouard Louis. Adolescente, descobriu Rimbaud num cartaz de rua e, a partir daí, Baudelaire, Camus e Marguerite Duras.

Ele observa que, na França e na América Latina, a herança católica criou uma mitologia que dignifica os pobres, enquanto, nos EUA, predomina a ideia de que quem é pobre não trabalhou o suficiente.

Questionado se é um "trânsfuga de classe", rejeita o rótulo: é imigrante, não branco, e transita entre classes. Escrever e dar aulas lhe permitem sustentar nove familiares refugiados. Já recusou ofertas de trabalho na Alemanha e na Califórnia porque é quem leva a avó ao médico.

Essa obrigação atravessa sua obra. Viver sempre com muitos parentes na mesma casa normalizou a ética do cuidado. Ao conhecer Grazina, não se perguntou se era responsável por ela: parecia natural retribuir o que recebeu da própria avó.

Sobre a epidemia de opioides, ele lembra a adolescência marcada por mortes, enterros apressados, vergonha e medo. Critica o modo como dependentes são tratados "como se merecessem morrer" e constrói um personagem que não melhora, para mostrar que uma vida pode ser completa mesmo quando trágica.

O autor também vê a crise como produto de um sistema que permite à indústria farmacêutica avançar por lucro, com consequências devastadoras para as comunidades mais vulneráveis.

As críticas ao estilo não o abalam. Ele se define como barroco, distante do gosto moderno por eficiência e clareza, valores que julga opostos à poesia. Cresceu com punk, skate e hip-hop, culturas que celebram exagero e performance como expressões de dignidade.

"É estranho que a "verdade" sobre o meu trabalho só apareça agora, quando as "pautas identitárias" perdem prestígio. O sucesso de escritores como eu causa desconforto e um desejo por restaurar a ordem anterior."

LIVRO — "O imperador da felicidade". Autor: Ocean Vuong. Tradução: Rogério W. Galindo. Editora: Rocco. 400 páginas. Preço: R$ 79,90.

7visualizações
Compartilhar:
Carregando anúncio...

Publicado em 10 de novembro de 2025 às 10:16

Notícias Relacionadas

Nenhuma notícia encontrada.