Robô doméstico promete autonomia, mas abre câmeras dentro de casa
Notícias
📅 10/11/2025

Robô doméstico promete autonomia, mas abre câmeras dentro de casa

O Neo, humanoide de 1,68 m, chega em 2026 por US$ 20 mil ou assinatura. Fará poucas tarefas sozinho e dependerá de operadores remotos, enquanto coleta dados do lar e acende alerta de privacidade, dizem especialistas.

Carregando anúncio...
Compartilhar:
Ronny Teles

Ronny Teles

Combatente pela democracia

A ideia de uma ajudante à la Jetsons volta ao centro do debate com o Neo, robô doméstico humanoide de 1,68 metro desenvolvido pela norueguesa 1X Technologies.

Projetado com Inteligência Artificial para carregar lava-louças, dobrar roupas e buscar objetos na geladeira, o Neo simboliza um novo passo na relação dos humanos com as máquinas.

Porém, apesar da aparência futurista e do preço elevado — US$ 20 mil na compra, ou US$ 499 mensais na assinatura —, o Neo está longe da autonomia prometida. Em 2026, quando chegar aos primeiros compradores, fará de forma autônoma apenas tarefas básicas, como atender a porta ou levar um copo à cozinha. Nas atividades complexas, dependerá totalmente de um operador humano, em controle remoto, a partir de um escritório na Califórnia.

Câmeras, sensores e microfones ficarão abertos dentro de casa para coletar dados, treinar o sistema e, no futuro, desbloquear novas tarefas. Segundo João Fabro, professor da UTFPR e especialista em IA e robôs domésticos, há avanços mecânicos e eletrônicos, mas a autonomia ainda é limitada.

— Pesquiso robôs autônomos há mais de dez anos e a primeira vez que vimos um robô abrir uma porta sozinho foi neste ano, em uma competição na Itália. O desafio é enorme porque não basta o robô se mover; ele precisa compreender o ambiente, antecipar situações e reagir de forma natural, como nós fazemos sem perceber. O Neo, por enquanto, a única coisa que ele faz autonomamente é não cair — explicou Fabro.

A aposta no formato humanoide, com braços, mãos e postura ereta, faz sentido: o mundo foi projetado para bípedes, e isso permite ao robô alcançar prateleiras e maçanetas. Com 30 quilos, ele usa motores que limitam força e velocidade, imitando tendões sintéticos, o que o CEO, Bernt Børnich, define como "comprovadamente seguro".

Em vez de sistemas mecânicos robustos típicos da indústria, o Neo emprega tendões artificiais que reproduzem o movimento de músculos humanos, com força e velocidade controladas. Assim, mesmo em caso de queda, o risco de ferimentos é dito como mínimo. Famílias com crianças pequenas ficam de fora da fase inicial de testes.

Nas peças de divulgação, a fabricante diz que o robô reconhece quando alguém fala com ele e responde a comandos. Também identifica objetos ao redor e usa sua "memória" para dar continuidade às conversas. Segundo a empresa, o Neo pode agendar consultas médicas, definir lembretes e salvar itens em listas de compras. O desafio real, porém, é a curva de aprendizado para lidar com as variáveis de uma casa.

Imagem da notícia
📸 6

— Uma casa é infinitamente mais complexa do que uma fábrica ou um armazém. Os objetos mudam de lugar, há crianças, animais, líquidos, degraus, uma infinidade de variáveis que um robô precisa interpretar. Já nas indústrias, tudo é organizado para as máquinas funcionarem. É importante entender que esse tipo de lançamento é mais uma promessa de futuro do que uma realidade — afirma Fernando Osório, pesquisador do ICMC-USP.

Na privacidade, o alerta é claro: a própria 1X admite que a maioria das funções do Neo é supervisionada por um operador que enxerga o ambiente pelas lentes do robô. O presidente da companhia resume: "Quem compra o Neo aceita um tipo de contrato social. Sem acesso aos dados dos usuários, não temos como aprimorar o sistema".

A empresa diz que o cliente pode definir limites, desfocar rostos e delimitar áreas de exclusão, mas a coleta de dados para treinar a IA é o centro do negócio. Para o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, do ABCiber, a lógica repete o modelo das redes sociais.

— Ao levar câmeras, sensores e microfones para dentro das casas, o robô amplia o poder das empresas sobre a vida íntima dos usuários, entregando a elas detalhes do cotidiano, hábitos e padrões de consumo, que podem ser usados para moldar comportamentos e decisões. O que existe, na prática, é a replicação automatizada de tarefas simples, ancorada em um modelo econômico de coleta massiva de dados. Em resumo, o problema não é o robô, é quem controla o robô.

Na prática, o sistema absorve vídeos gravados nas casas dos usuários e usa essas informações para construir um modelo do mundo real. Essa base ensina o robô a identificar objetos e compreender rotinas e contextos variados. Enquanto IAs como o Chat GPT se apoiam em grandes volumes de texto da internet, aqui a aprendizagem ocorre pela interação com o ambiente físico.

O alerta é endossado por João Fabro, que lembrou robôs aspiradores com câmeras que acabaram filmando pessoas no banheiro, com imagens vazadas.

Imagem da notícia
📸 6

— É fundamental que existam mecanismos proativos para proteger a privacidade, como anonimizar os dados e filtrar situações íntimas. Não dá para simplesmente acreditar que o fabricante vai resolver isso por nós.

A 1X projeta que, até 2026, o humanoide execute a maioria das atividades domésticas sem supervisão constante. O CEO, no entanto, antecipa performance inconstante, chamando a imperfeição de "slop robótico".

O controle e a programação das atividades ficarão em um aplicativo. Por ele, proprietários poderão agendar tarefas complexas em horários em que teleoperadores assumem o comando. Segundo a empresa, os humanos que controlam o robô passam por checagem de antecedentes e são monitorados continuamente.

A chegada do Neo ao espaço doméstico marca a ascensão da chamada IA Física: quando a inteligência artificial, antes digital, ganha presença para agir diretamente no mundo.

Em termos simples, a IA Física une o "cérebro" da IA ao "corpo" dos sistemas robóticos, permitindo perceber, raciocinar e executar tarefas em ambientes dinâmicos — tudo que o Neo promete entregar no futuro.

— A IA física é justamente quando uma máquina passa a ser capaz de mover coisas, esbarrar em objetos e interagir com pessoas. Aí entra a complexidade: o robô precisa perceber o ambiente, tomar decisões em tempo real e agir em sequência, tudo isso com sensores que captam o mundo de forma imperfeita. É o desafio de colocar uma IA que até então só gerava texto e imagens para lidar com gravidade, atrito, desequilíbrio e energia limitada — afirma Marco Aurélio Wehrmeister, professor da UTFPR.

Imagem da notícia
📸 6

Nessa perspectiva, Wehrmeister avalia que a 1X tem um propósito que vai além do produto final.

— A empresa sabe que está vendendo uma plataforma de coleta de dados, não um produto acabado. É parecido com o que aconteceu com o primeiro iPhone ou com os primeiros carros autônomos: o custo inicial era altíssimo, mas o objetivo era aprender com o uso. O Neo vai cumprir esse papel — reunir dados e permitir o aprimoramento dos modelos de IA física que virão depois.

Imagem da notícia
📸 6
Imagem da notícia
📸 6
Imagem da notícia
📸 6
7visualizações
Compartilhar:
Carregando anúncio...

Publicado em 10 de novembro de 2025 às 13:09

Notícias Relacionadas

Nenhuma notícia encontrada.