Um dos autores da versão original de Vale Tudo (1988), Aguinaldo Silva parece usar Três Graças, que assumiu o horário nobre da Globo, para mandar um recado ao remake escrito por Manuela Dias. Telespectadores atentos identificam na nova trama elementos que soam como correções a lacunas da releitura recente, sinalizando um retorno ao espírito que sustentava o enredo clássico.
Desde os primeiros capítulos, Três Graças enfatiza questões sociais. Enquanto o remake de Vale Tudo romantizou a pobreza e não aprofundou a batalha de Raquel (Taís Araújo), a nova novela destaca a realidade de mães solo, a gravidez na adolescência e os entraves da saúde pública. Uma imagem marcante foi a recepção do hospital tomada por gestantes sem o acompanhamento dos pais.
A aposta no jogo de câmeras e no ritmo de cena também se destaca, influenciando a entrega do enredo ao público, como nas envolventes interações de Arminda (Grazi Massafera) com a escultura. Em contraste, o folhetim anterior acumulou falhas de continuidade que viraram assunto, como as três mãos de Afonso (Humberto Carrão) e o sumiço das barrigas de grávida de Solange (Alice Wegmann) e Maria de Fátima (Bella Campos).
No campo da ética, a cena emblemática de 1988 — a venda do bebê de Maria de Fátima logo após o parto — não foi recriada em 2025, decisão atribuída a Manuela Dias. Agora, Aguinaldo promete um caso análogo em Três Graças: Joélly (Alana Cabral) vai vender o bebê a um casal para pagar a dívida do namorado, Raul (Paulo Mendes), com o tráfico, com a ajuda de Samira (Fernanda Vasconcellos).
Aguinaldo, conhecido pela paixão por cinema, havia transferido esse traço ao mordomo da família Roitman, característica que o remake retirou. Em Três Graças, o autor reposiciona a referência na figura de Josefa (Arlete Salles), mãe de Arminda, que deverá citar clássicos da sétima arte na novela das 9.
Sem tirar o brilho de Debora Bloch como Odete Roitman, a vilã de Grazi Massafera vem se destacando pelo vernáculo cortante. Até aqui, já soltou frases como "Cala a boca, velha lesada" e "Você tinha que ver, aqueles políticos, gente horrorosa, mal vestida. Esse país não podia ter deixado de ser monarquia. País de índio. Não, quer dizer, país de povos originários, indígenas".

