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Casa de general e luz solar: militares alugam espaço para ferrovia em troca de benefícios

Indígenas afetados pelo projeto ferroviário condenam demora para serem consultados

A companhia Rumo Logística recebeu uma aprovação do Comando do Exército para usar uma porção do território militar em Mato Grosso para a construção de uma linha de trem. O acordo se deu mediante condições, incluindo a construção de uma residência para um alto oficial e uma usina de energia solar.

A linha férrea possuirá mais de 700 km e fará a conexão entre a estação de Rondonópolis e as cidades de Cuiabá e Lucas do Rio Verde, situadas em Mato Grosso. Sua presença permitirá a ligação rodoviária da região setentrional do estado, reconhecida pela alta produção agrícola, com o porto de Santos, localizado em São Paulo.

A ferrovia, no entanto, cruza o interior de uma área já ocupada pelas Forças Armadas no município de Rondonópolis. O local, com 17 km² de extensão, é empregado pelo 18º Grupo de Artilharia de Campanha do Exército para a realização de treinamentos de tiro com canhões e obuseiros, cuja distância máxima de disparo atinge 21 km.

O pedido da Rumo, subsidiária do grupo Cosan, corresponde a uma área de aproximadamente 540 mil m². A proposta é de que a ferrovia adentre a parcela militar em dois segmentos em uma das extremidades do terreno.

Militares especializados estimaram em R$ 16,5 milhões o valor do território. Contudo, ao recusar uma proposta da Rumo de ceder um novo lote para os treinamentos militares, as Forças Armadas decidiram apresentar algumas condições para a permissão de uso da área.

Conforme o acordo, a Rumo é responsável por realizar algumas obras e melhorias no espaço.

Em um relatório interno, o major Mateus Tonini demonstrou preocupação com a instalação da linha férrea, com receio de que pudesse prejudicar 'a orientação e o exercício' da unidade militar. No entanto, ele mencionou que seria possível manter as atividades da artilharia do Exército, bem como o funcionamento da linha férrea, caso fossem adotadas 'medidas de segurança e controle específicos para garantir o menor risco possível para ambas as atividades'.

Em comunicado, o Exército alegou que realizou negociações para ajustar o percurso da ferrovia de modo a não comprometer a utilização militar da área. Também informou que haviam sido discutidos diversos contrapartidas com a Rumo. No fim, as partes chegaram a um acordo sobre as contrapartidas e assinaram o contrato. A Força defendeu que o contrato de cessão de uso do espaço militar, com as respectivas contrapartidas, estava em consonância com os 'princípios de legalidade, economia, eficiência, supremacia do interesse público, motivação e razoabilidade e com base no aumento da efetividade na gestão do bem público e na reestruturação patrimonial e sustentável'.

Em contrapartida, a Rumo Logística confirmou que a área solicitada cobre 'exclusivamente o espaço necessário para a implantação da ferrovia, levando em conta seu projeto e a faixa de domínio estabelecida'. A empresa também acrescentou que está em constantes negociações com o Exército.

Além de cruzar uma área militar, o traçado da Ferrovia Estadual Senador Vicente Emílio Vuolo vai separar duas Terras Indígenas habitadas pelo povo Boe Bororo.

A Terra Indígena Tadarimana fica a cerca de 10 km à direita da linha férrea, enquanto a Terra Indígena Tereza Cristina fica mais distante, à esquerda. A precisão dessas distâncias é realçada pela divergência entre os valores calculados pelos órgãos federais.

Os cálculos são essenciais porque um método interministerial estabelece que, na Amazônia Legal, antes de construir ferrovias a uma distância de até 10 km de terras indígenas, as empresas e os órgãos públicos devem ouvir os povos afetados pela construção, como forma de mitigar os problemas decorrentes do empreendimento.

Entretanto, devido aos cálculos que indicam uma distância superior a 10 km, a Rumo recebeu uma carta da Funai, em 2021, informando que a empresa não precisaria cumprir com procedimentos específicos voltados a questões indígenas.

Para Renan Sotto Mayor, um defensor público que mantém contato com os indígenas, a cultura Boe Bororo sofrerá um 'prejuízo gigantesco' com a construção da ferrovia. 'Quando algum Bororo morre, todos migram para lá e passam um, dois meses em rituais próprios deles. Passando esse trem no meio das terras irmãs, pode haver algum impacto nessa relação', afirmou à imprensa.

Com a autorização da Funai, a empresa Rumo conseguiu as primeiras licenças e deu início à construção de partes da ferrovia sem consultar os Boe Bororo ou negociar contrapartidas.

Os processos burocráticos tiveram que ser interrompidos em agosto de 2022, quando o juiz federal Pedro Maradei Neto suspendeu a concessão de licenças ambientais para a ferrovia até que o Governo do Mato Grosso negociasse com o povo Boe Bororo.

Em novembro do mesmo ano, a Rumo firmou um acordo com o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União e a Secretaria do Meio Ambiente do Mato Grosso. Segundo o documento, a empresa financiará a contratação de uma consultoria especializada para que o governo estadual possa realizar a consulta à comunidade indígena.

Em resposta à situação, a Rumo garantiu que está em um 'diálogo contínuo' com os órgãos responsáveis pela discussão da questão indígena.

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