US$ 14 bi em cripto confiscados: magnata acusado de tortura desaparece
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📅 09/11/2025

US$ 14 bi em cripto confiscados: magnata acusado de tortura desaparece

Chen Zhi, de 37 anos, é acusado de chefiar um império global de ciberfraudes com tráfico de pessoas e tortura. Após sanções e o maior confisco de criptomoedas já feito, ele não é visto desde outubro.

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Ronny Teles

Ronny Teles

Combatente pela democracia

Autoridades dos Estados Unidos e do Reino Unido apontam Chen Zhi como líder de uma ampla rede de ciberfraudes que movimentou bilhões e explorou trabalhadores em esquema industrial.

Com 37 anos, o empresário é descrito como "o cérebro por trás de um extenso império de ciberfraudes... uma empresa criminosa construída com base no sofrimento humano".

Em meados de outubro, ele foi acusado de dirigir empresas no Camboja responsáveis por fraudes que roubaram bilhões de dólares em criptomoedas de vítimas no mundo inteiro.

O Tesouro americano confiscou cerca de US$ 14 bilhões (cerca de R$ 75,5 bilhões) em bitcoins vinculados a Chen Zhi, no que foi classificado como o maior confisco de criptomoedas já realizado.

No site do Cambodian Prince Group, sua holding, Chen Zhi aparece como "empresário respeitado e renomado filantropo", cuja "visão e liderança transformaram o Grupo Prince em um líder empresarial no Camboja, que respeita os padrões internacionais".

O Grupo Prince foi procurado para comentar.

Nascido na província chinesa de Fujian, Chen Zhi começou com uma pequena empresa de jogos via internet antes de se mudar para o Camboja no fim de 2010 ou em 2011.

Ao chegar, passou a atuar no setor imobiliário local, em meio a um boom alimentado por grandes áreas de terra desapropriadas e pela entrada de capital chinês.

Parte desse dinheiro estava ligado à Iniciativa Cinturão e Rota, enquanto investidores individuais buscavam alternativas ao mercado superaquecido da China.

O fluxo de turistas chineses também cresceu, mudando o horizonte de Phnom Penh, que ganhou arranha-céus de aço e vidro.

Sihanoukville, antigo balneário tranquilo no sul, foi transformada de forma ainda mais radical.

Com o jogo proibido na China, cassinos, hotéis de luxo e blocos residenciais multiplicaram-se na cidade, atraindo muito dinheiro.

Em 2014, Chen Zhi se naturalizou cambojano, renunciando à nacionalidade chinesa, o que lhe permitiu comprar terras em seu nome mediante investimento ou doação mínima de US$ 250 mil (cerca de R$ 1,35 milhão).

A origem exata de seus recursos sempre foi nebulosa.

Ao abrir uma conta na ilha de Man, em 2019, ele citou um tio anônimo que teria doado US$ 2 milhões (cerca de R$ 10,8 milhões) para fundar sua primeira incorporadora, em 2011, sem nunca comprovar a doação.

O Grupo Prince foi criado em 2015, com foco em incorporação imobiliária, quando ele tinha 27 anos.

Em 2018, obteve licença para operar um banco comercial e criou o Banco Prince; no mesmo ano, conquistou passaporte cipriota em troca de investimento mínimo de US$ 2,5 milhões (cerca de R$ 13,5 milhões).

Depois, adquiriu cidadania de Vanuatu, fundou a terceira companhia aérea do Camboja e, em 2020, recebeu certificado para operar uma quarta.

A divisão imobiliária do grupo ergueu shoppings de luxo em Phnom Penh, hotéis cinco estrelas em Sihanoukville e lançou a "Baía das Luzes", ecocidade de US$ 16 bilhões (cerca de R$ 86,3 bilhões).

Em 2020, ele recebeu o título de Neak Oknha, concedido pelo rei do Camboja, que exige doação mínima de US$ 500 mil (cerca de R$ 2,7 milhões).

Desde 2017, era assessor oficial do então ministro do Interior, Sar Kheng, sócio do filho dele, Sar Sokha, e também assessor de Hun Sen e, depois, de Hun Manet, que assumiu como primeiro-ministro em 2023.

Foi celebrado localmente como filantropo por financiar bolsas a estudantes e doar recursos contra a covid-19, mantendo-se, contudo, longe dos holofotes.

"Todas as pessoas com quem conversei, que trabalharam diretamente com ele, ou que estiveram na mesma sala com ele, o descrevem como muito gentil, muito tranquilo, muito comedido", afirma o jornalista Jack Adamovic Davies.

"Acredito que ele foi inteligente ao não se tornar aquele tipo de pessoa extravagante, sobre quem seriam escritas notícias sensacionalistas", diz ele.

"Até aqueles que não querem mais se associar a ele continuam impressionados pelo seu carisma discreto, sua seriedade."

Em 2019, a bolha imobiliária de Sihanoukville estourou.

O jogo online atraiu organizações criminosas chinesas, desencadeando guerras territoriais violentas e afastando turistas.

Pressionado por Pequim, o governo cambojano proibiu as apostas via internet em agosto de 2019.

Com o colapso do principal negócio, cerca de 450 mil chineses deixaram a cidade, e muitos blocos residenciais do Grupo Prince ficaram vazios.

Mesmo assim, Chen Zhi seguiu expandindo e gastando: autoridades britânicas citam a compra de uma mansão de 12 milhões de libras (cerca de US$ 15,7 milhões ou R$ 85 milhões) e de um prédio de escritórios por 95 milhões de libras (cerca de US$ 124,5 milhões ou R$ 671 milhões) em Londres.

Já nos EUA, apontam aquisições de imóveis em Nova York, jatos, superiates e um quadro de Picasso.

Segundo os americanos, a fortuna vinha do negócio mais lucrativo da Ásia hoje: fraudes online com tráfico de pessoas e lavagem de dinheiro.

EUA e Reino Unido sancionaram 128 empresas ligadas a Chen Zhi e ao Grupo Prince, além de 17 pessoas de sete nacionalidades; bens relacionados a ele foram congelados nos dois países.

As ações judiciais exibem imagens de "fazendas de celulares" usadas em golpes e descrevem redes de empresas de fachada e carteiras de criptomoedas para ocultar origem de valores.

O anúncio das sanções afirma que "a Organização Criminosa Transnacional Prince Group lucra com uma longa lista de delitos transnacionais, incluindo a sextorsão (um tipo de fraude que consiste em solicitar material sexualmente explícito, frequentemente de menores, para chantagem), lavagem de dinheiro, diversas fraudes e extorsões, corrupção, jogos online ilegais e o tráfico, tortura e extorsão, em escala industrial, de trabalhadores escravizados, para impulsionar a operação de pelo menos 10 complexos de fraudes no Camboja".

Autoridades chinesas investigam discretamente o Grupo Prince ao menos desde 2020, e várias ações foram apresentadas por esquemas de fraude na internet.

O Escritório Municipal de Segurança Pública de Pequim criou um grupo para "investigar o Grupo Prince, uma importante organização internacional de jogos de azar na internet, com sede no Camboja".

EUA e Reino Unido dizem que suas operações se concentravam em empreendimentos como o Parque Científico e Tecnológico Golden Fortune, construído pelo Grupo Prince em Chrey Thom, perto da fronteira com o Vietnã.

O Grupo Prince negou envolvimento em golpes e afirmou não manter mais ligações com o Golden Fortune, mas investigações apontam que persistem vínculos comerciais.

Moradores e trabalhadores da área relataram agressões violentas a chineses, vietnamitas e malaios que tentavam fugir do complexo, onde eram forçados a aplicar golpes online.

"Acredito que a magnitude das suas operações é o que realmente diferencia Chen Zhi", diz Davies.

Para ele, surpreende que o Grupo Prince tenha construído uma "presença global" sem despertar alarmes, dado o peso das acusações atuais.

"O que deveria incomodar muitas pessoas é que Chen Zhi nunca conseguiu adquirir todos esses ativos, nem em Singapura, nem em Londres, nem nos Estados Unidos", afirma.

"Advogados, contadores, agentes imobiliários, banqueiros, todos deveriam ter observado esse grupo e dito: 'Um momento, isso não faz sentido.' E eles não fizeram."

Após a publicidade negativa das sanções, empresas se apressaram em se desvincular do Grupo Prince.

O Banco Central do Camboja assegurou a correntistas que eles poderão sacar seus recursos do Banco Prince, enquanto autoridades da Coreia do Sul congelaram US$ 64 milhões (cerca de R$ 345 milhões) em depósitos.

Governos de Singapura e Tailândia prometeram investigar subsidiárias do Banco Prince; das 18 pessoas procuradas por EUA e Reino Unido, três são de Singapura.

O governo cambojano disse pouco, pedindo apenas que as autoridades estrangeiras garantam provas suficientes para as acusações.

Para a elite do país, será difícil se afastar de Chen Zhi após anos de relações estreitas, em um ambiente onde cálculos apontam que fraudes podem representar até metade da economia.

Desde as sanções, não há notícias de Chen Zhi. O magnata, antes uma das figuras mais poderosas do Camboja, aparentemente desapareceu.

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Publicado em 9 de novembro de 2025 às 13:16

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