No fim de setembro, a prefeitura de Petrolina (PE) inaugurou a primeira etapa da Orla 3. À beira do Rio São Francisco, a obra duplicou avenidas, implantou ciclovias e melhorou a iluminação, em parte com R$ 22 milhões enviados em 2021 pelo então senador Fernando Bezerra Coelho. O irmão do ex-senador é sócio de uma empresa dona de terreno na área e negocia indenização pela desapropriação, evidenciando como relações políticas e familiares podem distorcer o destino de recursos públicos.
Para o dinheiro chegar ao município, então comandado por Miguel Coelho, filho de Bezerra, foi firmado um convênio com a Codevasf. À época, o chefe local do órgão havia sido assessor do ex-senador no Congresso. A intervenção passa por terreno ligado à família. Hoje fora da prefeitura, Miguel atua no mercado imobiliário da região.
Por meio de assessoria, Miguel Coelho disse que desde 2022 se dedica "à atividade empresarial, especialmente no setor imobiliário". Ele afirmou que "não participa de nenhum empreendimento imobiliário na Orla 3" e que o edifício divulgado fica na Orla 2. Os dois trechos são contíguos e parte de um mesmo projeto de revitalização iniciado nos anos 1990. O condomínio fica a cerca de 200 metros do início formal da Orla 3. Corretores que anunciam os apartamentos destacam que eles são "conectados à expansão urbana e à nova Orla 3".
O ex-prefeito acrescentou ter assinado "contrato de permuta com o empreendimento" em 2023, após deixar a gestão, e disse não ser dono do terreno.
A Codevasf afirmou que a "responsabilidade por licitar, contratar e fiscalizar as obras, assim como por realizar processos de desapropriação" é do município e disse que a obra contribui para a "melhoria da mobilidade urbana e da qualidade de vida da população" de Petrolina. Fernando Bezerra não se manifestou.
O convênio entre prefeitura e Codevasf foi assinado em 28 de dezembro de 2021. O repasse do então senador cobriu 84% do valor previsto para a obra, inicialmente orçada em R$ 26 milhões. A primeira etapa custou R$ 16 milhões. Para viabilizá-la, foi preciso desapropriar parte de um terreno de empresa cujo sócio é irmão de Bezerra.
A legislação permite desapropriações com base na utilidade pública e no interesse social.
A prefeitura informou que a negociação com os proprietários ainda está em andamento, sem pagamentos ou compensações até o momento.
O município também afirmou: "É importante citar que para a execução da intervenção era fundamental desapropriar uma parte do terreno em questão e que todo o processo respeitou a legislação fiscal, urbana e ambiental".
Em 30 de setembro, cinco dias após a inauguração, Bezerra comemorou nas redes: "O trabalho não para. A gente viabilizou os primeiros recursos, e o deputado federal Fernando Filho complementou. A primeira etapa da Orla 3 marca um novo vetor de desenvolvimento para a nossa cidade". O deputado federal Fernando Coelho Filho (União-PE) foi procurado e não se manifestou.
No dia da entrega, Miguel escreveu: "Dia histórico para Petrolina. Um novo vetor de desenvolvimento, progresso e crescimento. Foi uma obra que a gente pensou lá atrás, em 2021, ainda quando eu era prefeito".
Para Guilherme France, gerente de Pesquisa e Advocacy da Transparência Internacional Brasil, "Não há como falar em impessoalidade e moralidade, princípios da administração pública, quando emendas parlamentares se tornam verbas de família. É difícil não desconfiar de verbas enviadas por deputados para prefeitos com o mesmo sobrenome para serem executadas por órgãos controlados por associados próximos".
Com 386 mil habitantes, Petrolina foi a cidade pernambucana que mais recebeu emendas pagas entre 2020 e 2025, média de R$ 323 milhões ao ano. O valor supera o de Recife, que tem o triplo da população, e o de Jaboatão dos Guararapes. Juazeiro (BA), do outro lado da ponte, com 237 mil habitantes, teve média de R$ 82 milhões anuais no período.
Desde o ano passado, o ministro Flávio Dino, do STF, determinou mudanças no controle das emendas. Com o fim do orçamento secreto, o Congresso passou a turbinar outros tipos de repasses, como os de comissão.
Dino também exigiu identificar os padrinhos das indicações e, no caso das emendas Pix, apresentar plano de ação para o uso dos recursos. Em dez anos, o valor das emendas cresceu de R$ 16 bilhões (2015, em valores ajustados pelo IPCA) para R$ 51 bilhões previstos neste ano.
Vereador em Petrolina, Gilmar Santos (PT) disse que a cidade teria mais ganho se os recursos fossem para outras prioridades.
"As periferias estão sem saneamento básico e tantos outros serviços essenciais. A Orla 3 só era prioridade para quem vive na sanha de tirar proveitos pessoais e especulação econômica", criticou.

