Belém abre uma agenda cultural robusta ao redor da COP30, com mostras, instalações de luminárias feitas com resíduos, exposição de cartografias, documentário sobre gastronomia, fotos de Sebastião Salgado e até oficina de dança para quem quiser aprender a malemolência do carimbó.
Já nesta sexta, 7, no Centro Cultural Banco da Amazônia, começa a exposição "Clima - O Novo Anormal", versão brasileira de "Urgência Climática", que esteve em cartaz em Paris, na Cité des Sciences et de l'Industrie. Recriada pelo cineasta Fernando Meirelles e por Claudio Angelo, do Observatório do Clima, a mostra parte da ideia de que, no Brasil, a dimensão da crise climática ainda não é plenamente compreendida.
"Optamos por evitar mensagens de falsa esperança comuns na abordagem do tema. O Observatório do Clima, que conceituou a exposição, tem a missão de informar os fatos sem viés", diz Meirelles, num intervalo das filmagens que está fazendo em Nova Jersey, nos Estados Unidos. "Não há solução: esta é uma situação que vai escalar e teremos que abandonar o pensamento mágico infantil e lidar, daqui para a frente, com o que está dado. Aviso que não é uma exposição agradável de ver."
A mostra aponta que viveremos efeitos climáticos cada vez mais severos e, nas palavras do cineasta, a saída passa por "não só mudar o estilo de vida, mas votar apenas em candidatos que compreendam a urgência da questão e rejeitar os negacionistas".
Para Claudio Angelo, a comunicação direta é essencial: "Nem eu nem ele somos do time da esperança. A gente é do time da raiva. Não douramos a pílula em nenhum momento. Acreditamos que a mobilização só acontece se você jogar na cara do público quão dramática é a situação atual. Porque muitos impactos já são irreversíveis".
Na frente da educação ambiental, a curadora de design Taissa Buescu criou o Regenera Project - Transformando o Agora, que atua em escolas públicas de Belém e promove oficinas de reciclagem em comunidades de baixa renda, apoiando a economia circular da Amazônia Urbana com a Secretaria de Cidadania.
"A maioria do público é de mulheres, desempregadas, em busca de oportunidades para aumentar a renda familiar. Elas não tinham noção da separação do lixo; isso é uma realidade bem longe delas", conta Buescu. "Fomos para Vila do Baco, a maior comunidade em palafita do Brasil, e eles falavam: 'a gente deixa o lixo embaixo da casa, porque quando a maré sobe, leva embora'."
O Regenera Festival acontece de 9 a 12 de novembro, no Teatro Estação do Gasômetro, dentro do Parque Residência, com uma instalação formada por 420 luminárias de mesa produzidas nas oficinas. "Estamos, inclusive, organizando vans para levar as pessoas, porque muitas delas nunca foram ao teatro", diz Buescu.
O Parque da Residência também recebe o Festival Outros Nativos - Mostra Alternativa entre domingo, 9, e domingo 16. Criada em 2020 por produtores e músicos da periferia de Belém, no distrito de Sacramenta, a Associação Cultural Outros Nativos vai ao centro da cidade pela primeira vez.
Em parceria com o British Council, o grupo leva a Belém artistas da música pop afro-americana radicados na Inglaterra, como o rapper Fartura Flame e Gregg Kofi Brown, que se apresentam juntos. Outra atração é o cantor londrino de ascendência nigeriana Akin Soul, com músicas autorais e versões que incluem clássicos da bossa nova e da música negra brasileira.
Completa a programação o coletivo de danças urbanas Blacklist Crew. E o sotaque do Norte aparece nas oficinas de brega e carimbó. "Vamos ensinar para as pessoas os passos básicos dos ritmos mais tradicionais do Pará", diz Nicobates, ator e coordenador do projeto.
"Durante o ano todo promovemos oficinas de carimbó, de brega e de street dance, porque em Belém hoje é muito forte o lance da dança. Quase tanto quanto o da música", conta ele, que explica: "Mesmo o brega, aqui, tem vários estilos: o tecnomelody e o que o pessoal chama de saudade, que é aquele brega mais lento, que dá pra dançar agarradinho. Quer saber mais? Ah, só dançando".
A ocupação urbana da Amazônia ganha destaque na exposição "Genealogia da Floresta", que estreia no Museu das Amazônias durante a COP e propõe uma reflexão sobre humanidade e natureza e como elas se relacionam. Baseada em cartografias e mapas que revelam as transformações na região ao longo de milênios, a mostra foi desenvolvida pelo grupo de pesquisa Poles - Political Ecology of Space em colaboração com a Architects Office, com versões já exibidas nas bienais internacionais de arquitetura de Veneza e de São Paulo.
Segundo Gabriel Kozlowski, diretor do Poles e da mostra, os mapas, feitos em colaboração com arqueólogos, evidenciam como as civilizações antigas habitavam a Amazônia. "Esses modelos de convivência com a natureza antigamente são lições para a gente entender que é possível uma convivência harmoniosa entre humanos e floresta. Queremos também desmistificar a ideia de que a floresta que os portugueses conheceram era uma floresta virgem. Nunca foi."
Para ele, a floresta sempre foi humanizada. "Esses achados arqueológicos nos confirmam como eram complexas essas sociedades e como eram articuladas em termos de tamanho de área ocupada."
O Museu das Amazônias ainda abriga o manifesto "Grito pelo Planeta", homenagem a Frans Krajcberg e Sebastião Salgado, fruto de um esforço conjunto de várias associações, marcado para 14 de novembro, às 15h, como ato de mobilização pela preservação do equilíbrio planetário.
"Será um grito coletivo, físico e literal", diz a carta-manifesto, que convida artistas, cientistas e visitantes. "Vamos levar essas vozes o mais longe possível e gritar nossa indignação frente à crise da vida, e nossa confiança na cooperação para reinventar o futuro." Quem não estiver em Belém pode gravar um vídeo e enviar seu grito para [email protected].
A gastronomia paraense, uma das mais ricas do país, entra em cena com a exibição do documentário e o lançamento do livro "Floresta na Boca - Pessoas, Paisagens e Alimentos", de Bel Coelho, chef dos restaurantes Clandestina e Cuia. A obra bilíngue, editada pela Fósforo (192 páginas, R$ 149,90), é um diário de viagem que traduz a tentativa da autora de entender a complexidade de um território que, segundo ela, tem "avançado no desmatamento, nas monoculturas excessivas, na mineração ilegal e na grilagem de terras".
Nesse contexto, afirma, "a cultura alimentar resiste onde há floresta e água limpa nas mãos de povos indígenas, quilombolas e comunidades ribeirinhas, extrativistas e agricultura familiar".

