Cardápio de boteco expõe a herança negra ignorada no Rio
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📅 20/11/2025

Cardápio de boteco expõe a herança negra ignorada no Rio

No Dia da Consciência Negra, pratos como feijoada, angu, caldinho, rabada, língua e mocotó mostram que a boemia carioca nasceu da cozinha preta; casas como Bar do Pavão, Angu do Gomes, Bar do Momo e Bar da Frente mantêm a tradição.

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Ronny Teles

Ronny Teles

Combatente pela democracia

No 20 de novembro, olhar para o botequim como assunto neutro é fechar os olhos para a história. A mesa de bar carioca parece simples, mas o cardápio revela um mapa social: feijoada de sábado, caldinho, angu, rabada e mocotó apontam para a mesma origem. Antes de petiscos, foram memórias criadas pela cidade preta que moldou o sabor e a boemia do Rio.

A feijoada é o exemplo mais eloquente. A origem exata é tema de disputa, mas em todas as versões está a mão preta que transformou feijão, carnes salgadas, farinha e tempo em encontro. Antes de virar "programa de sábado", era prato de rua, de quintal, das tias baianas e de irmandades que alimentavam muitos com pouco. O botequim apenas adotou o que já era ritual; o Bar do Pavão, na Tijuca, é citado como referência aos sábados.

O angu à baiana seguiu rota parecida. No século XIX, mulheres negras cruzavam a cidade com tabuleiros fumegantes, mostrando que milho, miúdos e dendê aqueciam o corpo e o dia muito antes de o "clássico" ganhar fama de bar. O Angu do Gomes, na Sacadura Cabral, segue valendo pelo sabor e pela história.

O caldinho de feijão, esse shot de conforto, também tem raiz popular. O melhor do Rio segue na Tijuca: no Bar do Momo, vem com torresmo e queijo derretido. Não está no cardápio e aparece na mesa de quem pede com simpatia nos dias de feijoada. Antes de virar aperitivo, foi energia de trabalhador e tecnologia de sobrevivência para quem passava o dia inteiro na rua.

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Rabada, língua, mocotó e dobradinha confirmam o mapa. Não nasceram como releituras gourmet, mas como alquimia preta: extrair potência de ossos, peles, cartilagens e cortes tidos como menores, transformando dureza em sustância. Antes de virar "especialidade da casa", foram engenharia culinária precisa. Prova disso é o "Beijo Grego", petisco do Bar da Frente, que, da Praça da Bandeira à Copacabana, une língua com rabada num bolinho que desfia a felicidade.

No brinde final, o cardápio mostra que a mesa de bar não veio só de Portugal: é herança viva da cultura do povo preto, que cozinhou, temperou, serviu e inventou sabores muito antes de o bar ganhar charme. No 20 de novembro, nada mais justo do que celebrar essa memória. Antes de o botequim existir, o Rio já era boêmio — e já era preto também. Axé!

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Publicado em 20 de novembro de 2025 às 11:40

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