No último domingo de setembro, em um dia de sol forte em Brasília, o presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, participou ao lado de integrantes do primeiro escalão do governo e do presidente Lula de uma corrida em comemoração aos 95 anos do Ministério da Educação (MEC).
Em trajes esportivos, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e o economista engataram uma conversa que rapidamente chegou ao tema mais sensível do momento: a manutenção da Selic em 15% ao ano.
Enquanto aguardavam a largada em frente à sede do MEC, Galípolo tentou justificar o patamar da taxa, segundo testemunhas. Gleisi não se convenceu e rebateu os argumentos.
Responsável por tornar pública a colaboração de Galípolo com o PT ao levá-lo a um jantar com empresários durante a pré-campanha de 2022, a ministra sustenta que não há sentido em manter uma taxa real próxima de 10%, percepção compartilhada por integrantes do governo.
O episódio mostra como a discussão sobre juros tomou conta das preocupações de nomes centrais do governo, que veem no tema um possível obstáculo para Lula, diante do desaquecimento da economia.
Dias depois da conversa, o Comitê de Política Monetária (Copom) voltou a se reunir e manteve a Selic em 15%. Isso bastou para Gleisi, alinhada ao pensamento de Lula, passar a fazer críticas nominais ao presidente do BC.
"Eu acho que deixou a desejar, entendeu? O Galípolo. Deixou a desejar", afirmou, em entrevista.
Até então, as manifestações públicas de ministros evitavam citar o presidente do BC diretamente.
Com a Selic no maior patamar desde o primeiro mandato de Lula e sem previsão de início dos cortes, o presidente autorizou críticas à política de juros em discursos, e as queixas nos bastidores se tornaram frequentes.
Apesar da frustração, Galípolo mantém contato próximo com Lula e ainda não recebeu ataques diretos do presidente, cenário diferente do observado na gestão de Roberto Campos Neto.
Galípolo conquistou a confiança de Lula, que já o chamou de "menino de ouro". Ele assumiu o comando do BC em janeiro, na primeira troca desde a aprovação da autonomia operacional em 2021, mas manteve a estratégia de juros da era Campos Neto.
Sob sua liderança, o Copom promoveu quatro altas, somando 2,75 pontos percentuais, e desde junho mantém a taxa em um recorde de quase duas décadas para levar a inflação à meta de 3%.
Na última quarta-feira, o BC renovou o compromisso de manter a Selic "por período bastante prolongado", sem abrir espaço para discutir cortes antes de 2026, ano eleitoral. A decisão foi unânime: nenhum diretor indicado por Lula votou por reduzir os juros.
No início da gestão, o governo chegou a creditar a rigidez dos juros à "herança maldita". A manutenção do nível elevado por longo período azedou o clima. Hoje, o sentimento no Planalto é de "frustração". O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já afirmou que os juros "nem deveriam estar em 15%".
Pessoas em cargos de alto escalão na Esplanada relatam que a queixa é generalizada e que a cobrança por queda na Selic ficou mais dura nos bastidores. Quando questionado, Galípolo recorre a explicações técnicas para defender a posição da autoridade monetária.
Ele costuma lembrar que, pior do que o juro alto, é a disparada de preços, especialmente para as camadas mais pobres. Diz também que aceitou o cargo para agir de acordo com sua consciência.
As projeções de inflação, usadas para calibrar os juros, seguem acima da meta de 3% até o segundo trimestre de 2027 (3,3%). O Conselho Monetário Nacional fixa meta de 3% com teto de 4,5%, mas Galípolo enfatiza que a missão do BC é buscar o centro da meta, não o teto de tolerância.
Para o governo, porém, não há justificativa para manter os juros no nível atual, já que a inflação vem cedendo e pode terminar o ano dentro do limite de 4,5%.
"A manutenção da taxa contrasta com a inflação em queda e com o processo já acentuado da desaceleração da economia que ocorreu no segundo semestre", diz o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), expressando a insatisfação no partido.
O próprio presidente cobrou redução das taxas no fim de outubro. Diante de empresários, Lula afirmou que o BC "vai precisar começar a baixar os juros", sem dirigir críticas pessoais a Galípolo, reforçando o caminho do diálogo.
Mesmo com o descontentamento, os encontros entre Lula e Galípolo seguem cordiais. Em viagem à Ásia, em outubro, o contato foi descrito como normal. Eles e os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Carlos Fávaro (Agricultura) passaram boa parte do voo juntos, em clima descontraído.
Avalia-se dentro do governo que uma guerra pública como a travada na gestão anterior do BC é improvável. Ouve-se que Lula gosta de Galípolo e que adotar esse tom seria reconhecer um erro. Ainda assim, um interlocutor do Planalto não descarta uma cobrança nominal, dado o tamanho da insatisfação.

