A sentença de pronúncia, que fecha a primeira fase do Tribunal do Júri, deve apenas dizer se a acusação pode seguir. Por não ser decisão de mérito, o juiz precisa usar termos sóbrios e evitar "opiniões categóricas e definitivas", para não influenciar o Conselho de Sentença.

Com base nisso, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região anulou a pronúncia de um réu por duplo homicídio e mandou o juízo de origem refazer o ato, desta vez sem excesso de linguagem.
Para o colegiado, o juiz fez análise de mérito em demasia ao decidir sobre a pronúncia, o que pode contaminar a avaliação dos jurados.
O caso envolve um homem acusado de matar a esposa e a filha de três anos em Osaka, no Japão. A Justiça Federal ficou competente pelo princípio da extraterritorialidade, já que os crimes teriam ocorrido fora do país e o acusado retornou ao Brasil.
A defesa recorreu alegando excesso de linguagem e pediu afastamento de três qualificadoras: motivo fútil, feminicídio (no homicídio da esposa) e o homicídio da filha para assegurar a impunidade de outro crime.
O relator, desembargador federal Ângelo Roberto Ilha da Silva, entendeu que o juízo de origem se aprofundou demais na prova ao tratar das qualificadoras, reforçando a "robustez" das teses acusatórias e rebatendo o viés defensivo, em "notada análise meritória".
O acórdão apontou excesso de linguagem em três pontos centrais.
Motivo fútil: o juízo afirmou que o fim do casamento "não tinha… outra compreensão possível se não o mesmo temor da perda do visto" e que isso era "evidente motivo fútil". Para o TRF-4, consignar que não há "outra compreensão possível" e usar a expressão "evidente" pode influenciar os jurados.
Feminicídio: o juízo empregou a expressão "intuito óbvio" para qualificar a conduta. O tribunal entendeu que esse termo pode condicionar a valoração da prova pelo Conselho de Sentença.
Assegurar a impunidade: o juízo concluiu haver "contradição absoluta" no raciocínio defensivo — a confissão de ter matado a filha por "dó" frente à multiplicidade de facadas. Para o TRF-4, declarar uma "contradição absoluta" cabe aos jurados, não ao juízo da pronúncia.
O colegiado ressaltou que, pela jurisprudência, cortar qualificadoras só é possível quando forem manifestamente improcedentes. Ainda assim, a forma assertiva adotada para mantê-las levou à anulação do ato.
O relator também destacou que, pelo parágrafo único do artigo 472 do Código de Processo Penal, peças processuais viciadas não podem ser acessadas nem referenciadas aos jurados, sob pena de nulidade.
"A análise do tema pelo Conselho de Sentença deverá ser realizada a partir de pronúncia que utilize linguagem não peremptória e, portanto, infensa a qualquer espécie de condicionamento do encaminhamento a ser dado no caso concreto", afirmou.
O réu é defendido pelos advogados Rodrigo Faucz, Paloma Copetti e Jessé Conrado, do escritório Faucz Santos & Advogados Associados.
Processo: Recurso Criminal 5059480-15.2023.4.04.7000.

