Em meio a sinais de que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, avalia enviar tropas à Venezuela para destituir Nicolás Maduro, a Casa Branca elevou o tom ao descrevê-lo como chefe do chamado Cartel de los Soles. Especialistas em crime e narcotráfico na América Latina afirmam que o "cartel" não existe como organização real, mas como metáfora criada nos anos 1990 para designar oficiais venezuelanos corrompidos pelo tráfico.
O nome remete aos sóis usados nas patentes de generais. Relatórios anuais da DEA e o Relatório Mundial sobre Drogas do Escritório da ONU para Drogas e Crime nunca mencionaram o Cartel de los Soles.
— Cartel de los Soles é um rótulo inventado por jornalistas venezuelanos — afirmou Phil Gunson, analista sênior do International Crisis Group que mora na Venezuela. — Não existe reunião de diretoria do Cartel de los Soles. Não existe tal coisa. A organização não existe como tal. Mas isso não significa que as autoridades venezuelanas não estejam envolvidas até o pescoço com drogas.
A acusação de que Maduro chefia essa organização ecoa em críticas de figuras como Marco Rubio e altos funcionários do governo Trump, que chegaram a responsabilizá-lo pelo "tráfico de drogas para os EUA e a Europa". Em julho, o Departamento do Tesouro classificou o Cartel de los Soles como entidade terrorista global; no fim de semana, Rubio disse que o Departamento de Estado faria o mesmo.
Não há definição legal única para "cartel de drogas", mas o termo costuma designar uma organização grande, centralizada e violenta que produz, distribui e vende drogas de forma transnacional. No caso venezuelano, o rótulo passou a ser uma forma pejorativa de se referir a redes de corrupção no Estado.
De fato, Rubio costuma falar sobre isso com mais nuances, dizendo que o Cartel de los Soles "é uma organização criminosa que por acaso se disfarça de governo".
Questionada sobre o distanciamento entre retórica e realidade, a Casa Branca afirmou: "O regime de Maduro não é o governo legítimo da Venezuela, é um cartel narcoterrorista, e Maduro não é um presidente legítimo. Ele é um chefe fugitivo desse cartel que foi indiciado nos EUA por tráfico de drogas para o país".
Especialistas ouvidos divergem sobre a natureza da corrupção: alguns veem Maduro no comando direto; outros dizem que ele criou um sistema que incentiva práticas ilícitas como forma de garantir a lealdade das Forças Armadas.
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Para Jeremy McDermott, cofundador do InSight Crime, o governo da Venezuela tem ligações relevantes com o tráfico, mas o termo abrange o conjunto de esquemas nas Forças Armadas, e não uma única organização de drogas.
— O Cartel dos Sóis tornou-se uma expressão genérica para designar o tráfico de drogas integrado ao Estado, mas não se trata de uma organização integrada – a mão esquerda não sabe o que a mão direita está fazendo. Não é, de forma alguma, uma organização propriamente dita. Se você vai entrar em guerra, a linguagem é importante — concluiu.
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Nos anos 1990, muito antes de Maduro ou Hugo Chávez, venezuelanos cunharam a expressão para se referir a oficiais militares que aceitavam dinheiro do tráfico. Depois, a sigla se disseminou em reportagens e relatórios como atalho para falar de redes corrompidas.
Em março de 2020, a Procuradoria do Distrito Sul de Nova York apresentou o Cartel de los Soles como organização real liderada por Maduro ao indiciar o presidente e aliados por tráfico e corrupção. A redação foi supervisionada por Emil Bove, então promotor da unidade de terrorismo e narcóticos internacionais em Nova York, que depois se tornou advogado de defesa de Trump e comandou o Departamento de Justiça nos primeiros meses do segundo mandato do republicano.
Na ocasião, analistas chamaram atenção para o ineditismo de indiciar um chefe de Estado, tradicionalmente imune, e não tanto para uma linguagem vista como hiperbólica. Já no governo Biden, quando um coacusado foi extraditado e se declarou culpado, a Promotoria voltou a chamá-lo de parte do Cartel de los Soles.
Neste ano, Trump ordenou que cartéis e gangues latino-americanos fossem tratados como organizações terroristas. O Departamento de Estado listou oito grupos, incluindo grandes cartéis mexicanos e o Tren de Aragua, que Trump, contrariando a visão da comunidade de inteligência dos EUA, afirmou ser controlado por Maduro.
Ainda assim, o Cartel de los Soles não entrou na lista. Em maio, o relatório anual de inteligência da DEA mencionou pela primeira vez o Tren de Aragua, mas novamente não citou o Cartel de los Soles.
No fim de julho, ao aumentar a pressão sobre Maduro, o Tesouro designou o Cartel de los Soles como entidade terrorista, repetindo a linguagem da acusação de 2020. Desde 2 de setembro, as Forças Armadas dos EUA, sob ordens de Trump, atacaram 21 barcos suspeitos de contrabando, matando 83 pessoas, numa operação que começou focada em suspeitos venezuelanos e se expandiu para colombianos.
A resposta na Colômbia se dividiu: o Senado aprovou moção declarando o grupo uma organização criminosa e terrorista transnacional, enquanto o presidente Gustavo Petro chamou o rótulo de "invenção" do governo Trump.

— O Cartel dos Sóis não existe; é a desculpa fictícia da extrema direita para derrubar governos que não lhes obedecem — disse Petro.



