Na noite de 20 de novembro de 1971, cerca de 20 pessoas se reuniram numa sala do Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, para homenagear Zumbi dos Palmares, então pouco conhecido fora dos meios acadêmicos. Não se falava em feriado, mas aquele encontro virou o marco zero de uma mobilização que se espalhou pelo país e resultou no Dia da Consciência Negra, hoje celebrado em todo o Brasil.
A mobilização começou em julho de 1971, quando ativistas do movimento negro gaúcho criaram o Grupo Palmares para "promover estudos sobre história, artes e outros aspectos, particularmente em relação ao negro e ao mestiço de origem negra", segundo seu estatuto. Em plena ditadura militar, quando vigorava o mito da democracia racial e quase não havia espaço para contestação, a proposta era exaltar personagens negros esquecidos.
Entre os fundadores estavam Ilmo da Silva, Vilmar Nunes, Antonio Carlos Cortes e o poeta e professor Oliveira Silveira. De Silveira surgiu a ideia de fixar 20 de novembro, dia da morte de Zumbi, como data simbólica da luta negra, em contraposição ao então inquestionável 13 de maio, assinatura da Lei Áurea.
Professor de português e literatura no ensino médio, Silveira escreveu dez livros de poesia, entre eles "Banzo, saudade negra" (1970), que recebeu menção honrosa na União Brasileira dos Escritores. Publicou artigos e crônicas e participou de coletâneas. Em 2011, dois anos após sua morte por câncer, o acervo literário da Fundação Palmares passou a se chamar Biblioteca Oliveira Silveira.
Desde o início, o Grupo Palmares aproveitou efemérides para celebrar nomes da história afro-brasileira. Em agosto de 1971, realizou um ato pelos 89 anos da morte do advogado abolicionista e autodidata Luiz Gama. Em 9 de outubro, homenageou o jornalista José do Patrocínio, data de seu nascimento, em 1853.
O incômodo com o 13 de maio, centrado na figura da Princesa Isabel, movia a turma de Porto Alegre. Para eles, a data ignorava a história de resistência do povo negro e glorificava uma aristocrata que, hoje se sabe, não tinha envolvimento consistente com a causa abolicionista. Daí a escolha de celebrar Zumbi, último líder do Quilombo dos Palmares, o maior do período colonial.
Palmares, na Capitania de Pernambuco, em área do atual Alagoas, era um reino formado por vários quilombos erguidos por ex-escravizados que fugiam de fazendas e buscavam abrigo na Serra da Barriga. Estima-se que, em meados do século XVII, sua população tenha alcançado cerca de 30 mil pessoas.
Para entender Zumbi, Silveira mergulhou em obras como "Quilombo dos Palmares", de Edson Carneiro, e "As guerras nos Palmares", de Ernesto Ennes. A historiografia não trazia o dia exato do nascimento, mas confirmava que, em 20 de novembro de 1695, após anos de combate, Zumbi foi morto por soldados do governo local. Sua cabeça foi exposta em praça pública no Recife, para desfazer a lenda de sua imortalidade.
O encontro no Clube Marcílio Dias saiu na imprensa e a Polícia Federal intimou participantes a depor, no período mais duro da ditadura. Há quem diga que agentes confundiram o Grupo Palmares com a VAR-Palmares, organização da luta armada. Na delegacia, Oliveira Silveira e Carlos Côrtes precisaram convencer os policiais de que não eram "terroristas".
Graças ao movimento que começou em Porto Alegre, a data de morte de Zumbi inspirou manifestações, encontros, festas e shows em várias cidades ao longo dos anos, até ser adotada como o Dia da Consciência Negra, em 1995. Em 2003, entrou no calendário escolar nacional e, em 2011, a Lei nº 12 519 instituiu oficialmente o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Hoje, a data é feriado em todo o país.
