Em Lisboa por apenas 24 horas, onde foi homenageado pelo 19º LEFFEST – Lisboa Film Festival na 6ª feira (7.nov.2025), Wagner Moura promoveu o filme "O Agente Secreto" e explicou a rápida passagem: "Essa passagem é rápida. Eu pousei hoje e estou indo embora amanhã de manhã, mas é por conta do carinho que eu tenho por Paulo Branco [diretor do festival] e pelo amor que eu tenho por Portugal".
Além do cinema, o ator falou de política. Disse não considerar a Venezuela sob Nicolás Maduro uma democracia e avaliou que a esquerda terá dificuldade em 2026. Segundo ele, a direita alinhada ao ex-presidente Jair Bolsonaro chegará "com força", embora reafirme que Luiz Inácio Lula da Silva é "o maior brasileiro de todos os tempos".
Sobre estar em Portugal, Moura contou: "Eu fiz o meu negócio de DNA e deu 85% português. Então, eu tenho vontade de explorar mais Portugal, de estar mais aqui. Esse dado genético talvez explique o quanto eu me sinto bem quando eu estou aqui. Sinto-me conectado com a cultura portuguesa, com os artistas portugueses".
Ao comparar momentos do país, disse que o Brasil está agora "em um momento, no mínimo, muito melhor" do que entre 2018 e 2022. Sobre o novo longa, afirmou: "'O Agente Secreto' é um filme que nasce desse momento, da perplexidade minha e de Kleber [Mendonça Filho] perante aquele governo Bolsonaro. Porque ambos fomos perseguidos. (…) Então, eu acho que o cinema brasileiro vive um momento bom, ao passo que a democracia brasileira vive um momento bom".
"O Agente Secreto" entrou em cartaz na 5ª feira (6.nov), com estreia simultânea no Brasil, em Portugal e na Alemanha.
Ao comentar o Oscar de "Ainda Estou Aqui", Moura celebrou o sentimento nacional e criticou ataques de extremistas: "Durante determinado momento, a extrema-direita fez com que os artistas brasileiros virassem os inimigos do povo. Eles conseguiram fazer isso e ainda conseguem, com falácia, com mentira, com ignorância, com desinformação". E cravou: "Você só vai ver cultura enquanto houver democracia".
Ele ponderou que nem toda a esquerda é democrática, citando o caso Maduro na Venezuela, e lembrou: tem "muita saudade da época em que a esquerda polarizava com o PSDB, em que a direita era José Serra, era Fernando Henrique Cardoso".
Sobre o debate público, afirmou: "A direita faz uma pergunta que eu acho justa, que é: ‘Vocês de esquerda querem seguridade social para todo mundo, vocês querem acesso a hospitais, à cultura, vocês querem tudo isso, mas quem vai pagar isso que vocês querem?’. Eu acho essa pergunta ótima. E eu adoraria ter esse tipo de interlocução com a direita. Mas o bolsonarismo fez com que a direita brasileira virasse uma coisa xucra, intelectualmente desonesta e intelectualmente podre. Você não consegue discutir. Não tem conversa".
Moura criticou uma proposta em discussão no Congresso: "Eles [os bolsonaristas] estão querendo passar uma lei em que o Comando Vermelho virem terroristas. Eles querem que isso faça com que os Estados Unidos tenham ingerência na segurança pública do Brasil. Você quer coisa mais vira-lata do que isso?". Ele se referiu ao PL 1.283 de 2025, de autoria do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE).
Presente em setembro no ato contra a PEC da Blindagem, o ator demonstrou preocupação com a polarização e o efeito nas urnas em 2026: "Infelizmente, eu acho que eles [bolsonaristas] vão para 2026 com força. Eu não sei se é com o [governador de São Paulo] Tarcísio [de Freitas (Republicanos)]. Não sei quem vai ser o candidato deles [direita]. Infelizmente, o Brasil e o mundo estão polarizados politicamente. E a polarização é, sem dúvida, o perigo maior para as democracias no mundo".
Mesmo assim, vê Lula com musculatura para a disputa: "Vai ser apertado. Não vai ser fácil. […] A direita é muito forte, mas o Lula vai se candidatar. Ele é o maior brasileiro de todos os tempos. Estou para ver alguém bater aquele velho".
No paralelo entre arte e política, o intérprete de "O Agente Secreto" comparou o resgate da memória da ditadura com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que condenou Bolsonaro e outros 7 réus acusados de integrar o núcleo central da tentativa de golpe após 2022. "O Supremo Tribunal Federal julgando militares e um ex-presidente da forma que fizemos é inédito", disse. E completou: "Quando o Supremo diz que esse atentado contra a democracia foi grave e que as pessoas que o provocaram têm que ir para a cadeia, eu acho que isso foi um momento extraordinário de fortalecimento das instituições brasileiras como eu nunca havia presenciado".
Para ele, o Brasil reagiu melhor ao golpismo do que os EUA reagiram à invasão do Capitólio em 2021, feita por apoiadores de Donald Trump.
"E a minha avaliação pessoal é que não é que as nossas instituições são mais fortes do que as deles, é porque nós sabemos o que uma ditadura é. Nós temos essa memória, aconteceu há pouco tempo e a gente não quer que aconteça mais isso. (…) E a impressão que eu tinha é que os americanos acham que a democracia é uma coisa que o Espírito Santo deu a eles, e que logo não precisa lutar por aquilo. A democracia é uma coisa que você precisa lutar por ela todo dia", afirmou. "E é triste constatar que numa ditadura, num governo autoritário, só você ser quem você é pode ser um perigo de vida".
O ator também relacionou "Tropa de Elite" à operação policial no Rio que deixou 121 mortos em 28 de outubro. "O filme foi abraçado pela direita bolsonarista, no sentido de que, quando há uma invasão dessas nas favelas, essa galera bate palma e diz: ‘É isso aí’".
"Quando eles veem o capitão Nascimento entrando na favela e atirando, eles dizem: ‘Está aí o meu herói’. Eu nunca pensei nisso dessa forma. Eu sempre pensei que esse cara não era nem herói nem vilão, mas o produto de séculos de violência. O Estado, a polícia no Brasil, não existe para proteger o cidadão. A polícia no Brasil existe para proteger o Estado e o Estado determina quem são seus inimigos. No momento, os inimigos do Estado são os moradores da favela. Como na época de Marighella, eram os guerrilheiros".
"O policial que faz aquilo tampouco é um vilão. Ele também é um produto de uma visão equivocada e que perpetua-se até hoje, chegando ao suprassumo do que aconteceu na semana passada, e com a aprovação da maioria da população. Realmente vocês [os responsáveis pela operação] acham que o Comando Vermelho vai sair do Complexo da Penha e do Alemão porque vocês entraram lá e mataram 120 pessoas? Claro que eles acham que não".
"Essa ignorância da população é manipulada por gente que sabe muito bem o que está fazendo. O que o governador [do Rio de Janeiro] Cláudio Castro [PL] fez foi uma chacina eleitoral. Ele se promoveu como político, às vésperas da eleição, às custas de 120 pessoas mortas", afirmou.
Moura disse saber que será atacado por extremistas. Nas palavras dele, "a extrema-direita vai dizer 'olha aí o defensor de bandido', 'pega um cara do Comando Vermelho e leva para tua casa'". E concluiu: "Mas eu não quero levar o cara do Comando Vermelho para minha casa. Eu quero que o cara do Comando Vermelho seja preso e julgado pelos crimes que ele cometeu, pela forma com que eles manipulam e aterrorizam aquelas pessoas. Mas eu não acho que o Estado tem que subir naquele lugar e atirar a esmo matando os caras do Comando Vermelho e as pessoas que moram naquele lugar, cidadãos brasileiros".

