BRASIL CULTURA DIREITO ECONOMIA POLÍTICA

‘Censura’ da foto do Pão de Açúcar por empresa causa polêmica; ‘As montanhas estão em local público’, contesta especialista

Parque Bondinho Pão de Açúcar tentou impedir o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro de usar a imagem do cartão-postal em suas redes sociais. A prefeitura do Rio se opôs à decisão.

Houve controvérsia recentemente quando o Parque Bondinho, que administra um dos mais famosos pontos turísticos do Rio de Janeiro, o Pão de Açúcar, enviou um comunicado para uma empresa, acusando-a de usar ilegalmente uma imagem do local. Segundo o blog do jornalista Ancelmo Gois, o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio) recebeu um documento de cinco páginas do Parque Bondinho reprovando o uso de uma foto do Pão de Açúcar, que havia sido postada em 30 de outubro no Instagram para promover um programa de recrutamento de pesquisadores. A notificação solicitou, entre outras coisas, a remoção da publicação.

O Parque Bondinho alega que o ITS estava buscando uma 'vantagem comercial indevida', se aproveitando e enriquecendo sem motivo. O aviso afirmava que apenas a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar e a Pão de Açúcar Empreendimentos Turísticos têm o direito exclusivo de explorar comercialmente as imagens e representações do Parque Bondinho Pão de Açúcar. Entre as exigências feitas estavam proibir o uso de imagens do local em futuras publicações e a assinatura de um acordo proibindo o ITS de usar qualquer ativo de propriedade intelectual do parque sem autorização prévia.

De acordo com Luiz Fernando Plastino, advogado especializado em Direitos Intelectuais, Privacidade e Proteção de Dados do BTLAW, não existe direitos autorais sobre paisagens naturais. Estes direitos se aplicam apenas a obras criadas por humanos.

As restrições ao uso de imagens de parques ou propriedades com belezas naturais normalmente são impostas pelo próprio proprietário ou administrador do lugar, e não pela lei. Só são válidas para quem está no local e concordou com as regras, explica ele.

A lei de direitos autorais permite que obras de arte e construções em locais públicos sejam representadas em fotografias, desenhos e filmagens sem a necessidade de permissão. Entretanto, existem exceções quando as imagens são usadas para fins econômicos.

O especialista em direitos aponta exemplos como o uso de grafites do Beco do Batman em São Paulo, que é frequentemente utilizado para publicidade e tem sido fonte de discussão. Houve também uma polêmica sobre o uso da imagem do Cristo Redentor para criação de jóias. Cada caso precisa ser analisado individualmente, afirma ele.

O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Gustavo Kloh, argumenta que as demandas do Parque Bondinho sobre o uso da imagem do Pão de Açúcar pelo ITS-Rio não são fundamentadas. Ele destaca que a estrutura turística está em um local público.

As montanhas são um bem público situado em um local público. A empresa faz uma exploração turística de um bem que é de todos. É a montanha que é uma referência internacional e um cartão-postal, não o Parque Bondinho, diz ele.

Ronaldo Lemos, diretor do Instituto e também advogado, professor e pesquisador, afirma que o bondinho é meramente um meio de transporte e, portanto, não possui direitos autorais.

Será que um veículo de transporte integrado à uma paisagem urbana pode ter direitos autorais? Seria o mesmo que um barco passando entre duas montanhas ter esses direitos, comenta ele.

Segundo Lemos, a publicação que gerou a notificação tinha o objetivo de divulgar um programa de pesquisa internacional gratuito para atrair talentos para o Brasil. Ele acrescenta que o instituto não tem fins lucrativos e a utilização da imagem foi 'legítima', embora eles tenham removido a publicação de suas redes sociais.

Em resposta ao Parque Bondinho, o instituto sustentou que o uso da imagem do Pão de Açúcar foi apenas uma 'marcação geográfica', uma vez que o local é um 'símbolo internacional da cidade do Rio de Janeiro'.

Em sua contestação, também de cinco páginas, o ITS citou uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio que permitiu o uso da imagem do Cristo Redentor pelo Grupo Assim Saúde sem a autorização da Mitra Arquiepiscopal que administra o monumento. O tribunal argumentou que o local é um dos principais símbolos da cidade e faz parte de seu patrimônio cultural, histórico e paisagístico.

O prefeito Eduardo Paes se manifestou sobre o caso no X (antigamente chamado Twitter), classificando a notificação do Parque Bondinho como um 'absurdo' e brincando que cobraria royalties deles também.

Posteriormente, a Prefeitura do Rio enviou uma notificação à concessionária do Pão de Açúcar, afirmando que a tentativa de apropriação de um dos 'símbolos mais representativos da cidade e do Brasil' havia deixado os representantes da cidade e o público 'perplexos'.

O órgão ressaltou que, apesar de terem a concessão para operar o serviço de teleférico, isso não lhes dá direito de uso exclusivo das imagens icônicas de bens públicos. A prefeitura acrescentou que o bondinho, com mais de cem anos de existência, é naturalmente 'indissociável da imagem do Pão de Açúcar e de suas adjacências' e que é impossível não representá-lo em meio a paisagens como o Morro da Urca, a Enseada de Botafogo, o Sumaré, entre outros.

O Procurador-Geral do Município, Daniel Bucar Cervasio, em nome da prefeitura, notificou a empresa para que não impusesse mais restrições ao uso da imagem do Pão de Açúcar por qualquer pessoa ou entidade, 'mesmo que o bondinho estivesse presente'.

Em sua defesa, a empresa alegou que já teve experiências negativas com danos à sua reputação quando sua imagem foi usada em atividades profissionais e comerciais sem sua autorização. Disse que, em razão disso, havia implementado um processo para proteger a imagem da companhia e suas propriedades intelectuais registradas.

No entanto, ela negou que estivesse restringindo o uso da imagem do monumento do morros do Pão de Açúcar e da Urca, e 'muito menos a paisagem do Rio de Janeiro'. De acordo com a nota, a notificação enviada ao Instituto na semana passada tinha o objetivo de esclarecer as regras para o uso da imagem do parque. Porém, a empresa reconheceu que o documento 'não expressou corretamente a intenção da empresa'.

A empresa disse que 'lamentava profundamente o mal-entendido causado' e que já havia entrado em contato com o Instituto para esclarecer a situação. Finalmente, ela afirmou que estava 'revisando o processo para garantir que incidentes como esse não aconteçam novamente'.

Deixe um Comentário!

Para comentar, faça Login, clicando aqui.