A proposta do governo que amplia a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês e reduz a tributação de salários até R$ 7.350, enviada pelo Senado à sanção do presidente Lula, pode injetar de R$ 20 bilhões a R$ 28 bilhões na economia em 2026, impulsionando o consumo e o crescimento. Como compensação fiscal, o texto estabelece alíquota mínima de 10% para rendas acima de R$ 50 mil mensais.
Embora o objetivo seja beneficiar "os mais pobres" com maior contribuição dos "mais ricos", a base já não paga IR: hoje a isenção vai até R$ 3.036 (dois salários mínimos). Lula disse, em outubro, que não se pode dizer que quem ganha R$ 5 mil é de "classe média". Um estudo mostra que a reformulação foca o meio da pirâmide.
Com a elevada concentração de renda, a maioria dos beneficiados está no Sudeste, com destaque para São Paulo. Predominam homens, pessoas brancas, empregados formalizados no setor privado e com escolaridade mais elevada, traços típicos da classe média.
Entre os brasileiros na faixa entre R$ 3.036 e R$ 5 mil, que deixarão de ter IR descontado na fonte, 51% estão no Sudeste. No Norte são 5,7% e no Nordeste, 13,4%. As duas regiões com mais pessoas de baixa renda no país são pouco afetadas pela mudança.
As novas regras favorecerão proporcionalmente mais pessoas brancas, pois elas têm maior participação nas faixas de renda beneficiadas. No grupo de R$ 5 mil a R$ 7.350 mensais, que terá redução de imposto, 56,3% têm ensino superior completo.
"— Essas pessoas estão longe de serem pobres —" afirma Thiago Xavier, consultor da Tendências e coautor do estudo, ao lado de Giuliana Folego.
Ainda que a isenção alcance estratos com maior poder de consumo que a renda média nacional do trabalho (R$ 3.507, segundo o IBGE), trata-se de um perfil distante do topo e que costuma ter pouca sobra no orçamento. Pesquisadores destacam ser difícil prever quanto desse alívio virará gasto imediato.
Economistas costumam lembrar que, entre os mais pobres, aumentos de renda rapidamente se transformam em consumo. Nas classes médias, a dinâmica pode ser diferente, ressalta Xavier, com maior chance de poupança ou de planejamento de gastos de maior valor.
Na prática, o alívio chega a famílias como a da professora Fernanda Martins, de 32 anos, que pretende retomar o sonho da casa própria. O governo Lula também anunciou novas regras para crédito imobiliário voltadas a facilitar o acesso da classe média. Coordenadora de escola municipal em Madureira (RJ), Fernanda ganha R$ 5,6 mil e hoje consegue economizar menos de R$ 200 por mês.
"— O meu ganho mensal permite cobrir os gastos fixos, mas sobra muito pouco para qualquer outro tipo de planejamento. Juntar, guardar, investir são coisas muito difíceis. A sobra é mínima —" diz Fernanda, que pelas novas regras deve deixar de entregar ao governo cerca de R$ 230 de sua renda. "— Essa folga vai me permitir investir numa casa com mais segurança, precisando de margem menor de financiamento. É um dinheiro que faz toda a diferença. Também vai me dar mais tranquilidade para lidar com as emergências do dia a dia, como a compra de um remédio, uma atividade de lazer para a minha filha, uma roupa ou algum utensílio para casa —".
O alívio no IR também pode ser usado para quitar dívidas, o que retardaria o efeito no consumo. Esse segmento tem maior acesso ao crédito e recorre a financiamentos para ampliar o orçamento. Em geral, a classe média tem emprego formal e rendimentos mais estáveis, mas muitos ainda compõem a alta da inadimplência.
"— Como o endividamento está alto, essas famílias deverão quitar algumas dívidas, e aí partir para o consumo —" avalia Marcos Pazzini, diretor da IPC Marketing.
Os beneficiados se concentram na classe C e na parte inferior da classe B, segundo critérios do setor. Em geral, já possuem os principais eletrodomésticos, destinam boa parte da renda a alimentação, medicamentos e aluguel e, com folga, trocam itens como máquina de lavar, geladeira e TVs, além de migrarem para marcas melhores.
"— Ano que vem vai ter Copa do Mundo, e alguns poderão querer trocar a TV. Se financiar em dez vezes, mesmo com os juros altos, talvez possam conseguir pagar porque terão folga com o IR menor —" diz Pazzini.
A maior folga virá para quem está perto do novo limite de isenção. Hoje, um assalariado que ganha R$ 5 mil tem descontados na fonte pouco mais de R$ 300, calcula Paulo Henrique Pêgas, professor do Ibmec-RJ. Com a nova isenção, serão cerca de R$ 3,9 mil a mais por ano, considerando o IR sobre o 13º salário.
Estimativas apontam injeção entre R$ 20 bilhões e R$ 28 bilhões no consumo em 2026, com variações conforme a metodologia.
Segundo Guilherme Klein, pesquisador do Made/USP e professor da Universidade de Leeds, as mudanças no IR tendem a reduzir um pouco a grande desigualdade brasileira pela tributação maior sobre altas rendas. Hoje, o sistema é "muito regressivo": os mais ricos pagam taxas menores, em parte pela isenção, na pessoa física, de lucros recebidos de empresas.
O aumento da taxação sobre a alta renda eleva a progressividade. Para Klein, a mudança é "inédita", mas o sistema brasileiro seguirá "regressivo", exigindo novos ajustes no futuro.
As alterações no IR têm amplo apoio popular e chegam em um cenário complexo: juros elevados esfriando a atividade, incômodo com endividamento e inadimplência, e mercado de trabalho ainda positivo.
Projeções sugerem que o alívio no IR, sozinho, não criará um ciclo virtuoso de consumo. O momento é atípico, combinando políticas pró-consumo — como o novo IR, o programa Gás do Povo e a ampliação da tarifa social de energia — com juros altos e desemprego baixo.
Há o risco de que políticas pró-consumo pressionem a inflação, levando o Banco Central a manter os juros elevados por mais tempo.
Na percepção dos eleitores, 79% dos aptos a votar em 2026 aprovam a mudança no IR. Segundo Felipe Nunes, diretor da Quaest, tamanha aprovação é "rara em política econômica". A maioria acredita que a medida melhorará sua situação financeira, ainda que prevaleça a visão de "uma melhora pequena" (49%) em relação a "uma melhora importante" (41%).
"— Se a eleição fosse hoje, certamente haveria um reflexo forte na votação de Lula —" afirma Nunes.
Mas isso pode ser pouco para definir as eleições de 2026.
"— O que a gente viu ao longo deste ano foi que os indicadores econômicos melhoraram, mas a população não necessariamente reconhece essa melhora como fruto do trabalho do governo —" completa.

